Dando continuação ao seu braço editorial, a Automatica lançou em 2010 mais dois volumes de sua coleção ARTE BRA. Assim como nos dois primeiros volumes (lançados em 2007), os novos títulos trazem para o público um panorama sobre a carreira de dois dos principais nomes das artes brasileiras contemporâneas: Lucia Koch e Luiz Zerbini. Tais títulos confirmam a vocação editorial da Automatica e contribuem decisivamente para o estudo e o debate do meio das artes e da cultura brasileiras.
ARTE BRA Luiz Zerbini contém textos de Agnaldo Farias, Hermano Vianna e Sérgio Romagnollo, sendo ainda uma edição bilíngue com cronologias completas, biografias, entrevistas, escritos do artista, imagens e textos críticos de alta qualidade.
Capa
Apresentação
Capa
LUIZ ZERBINI nasceu em São Paulo, em 1959, e iniciou sua atividade artística no final dos anos 1970. Sua obra transita entre a pintura, a escultura, a instalação, a fotografia, a produção de textos e o vídeo. É um dos integrantes do grupo Chelpa Ferro, que trabalha desde 1995 com sons e imagens por meio da realização de objetos, instalações, performances, shows e CDs.
Com uma paleta rica e luminosa, Luiz Zerbini produz desde imagens de cenas domésticas, paisagens naturais e urbanas até imagens abstratas. O artista justapões estilos e técnicas, padrões orgânicos e geométricos, campos de luz e sombra, produzindo efeitos óticos que convidam à contemplação.
Apresentou trabalhos nas Bienais de São Paulo e do Mercosul (Brasil), Havana (Cuba) e Monterrey (México). Entre as exposições individuais recentes, destacam-se Cada de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro; Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo; Galeria Fortes Vilaça, São Paulo; Galerie Rabouan Moussion, Paris, França; e Galeria Filomena Soarea, Lisboa, Portugal.
"A pintura do Zerbini, interferindo na arquitetura e refletindo a paisagem e o próprio oklhar, atua junto ao exterior, mas deslocando-o, seja pela opacidade da cor, seja pela reflexividade da luz. As fronteiras entre o dentro e o fora, a criação e a apropriação, a pintura e o mundo estão em constante movimento, contaminando-se e potencializando-se mutuamente.
No trabalho de Zerbini, vemos estas trocas simbólicas atuando de modo radical, configurando uma dispersão de estilo - ora pintor, ora escultor, ora 'músico', ora figurativo, ora abstrato -, que é a maneira mais franca de enfrentar - e pensar - a dispersão do olho, do sujeito e do mundo contemporâneos".
Luiz Camillo Osorio
Luiza Mello
Agnaldo Farias
Hermano Vianna
Sergio Romagnolo
APRESENTAÇÃO
Luiza Mello
O quarto livro da Coleção ARTE BRA, precedido por Marcos Chaves, Raul Mourão e Lucia Koch, apresenta um panorama sobre a obra do artista Luiz Zerbini, que produz sistematicamente desde o final da década de 1970. Esta publicação proporcionou uma pesquisa sobre sua trajetória, realizada em diálogo constante com o artista, e resultou em uma combinação de textos críticos, cronologia,
entrevista e imagens.
Zerbini é pintor por excelência, seu universo de atuação e interesse inclui a produção de esculturas, textos, instalações, vídeos, fotografias, ilustrações e composições sonoras. Incorpora ainda o uso da linguagem cinematográfica, a botânica, a tecnologia, o cotidiano, apresentando, em uma visão particular, a potência do mundo a quem estiver disposto a senti-la.
Ao mesmo tempo, desde 1995, atua no coletivo multimídia Chelpa Ferro, com os artistas Barrão e Sergio Mekler, criando esculturas e instalações sonoras, tecnológicas, em apresentações ao vivo, em galerias, museus e teatros do Brasil e do mundo.
“Zerbini for all”, texto de Agnaldo Farias, analisa diversas temáticas que perpassam a obra de Zerbini, para sintetizá-la como polimórfica, em forma e conteúdo. Um ecossistema formado pelo trinômio homem, objeto e paisagem. O artista representa imagens abstratas, geométricas e figurativas, inclusive em um mesmo trabalho, ao mesmo tempo. É o caso da exposição paisagemnaturezamortaretrato,
em 2008, no Centro Universitário Maria Antonia (SP), onde o posicionamento do visitante altera sua visão, podendo incluir ou não seu corpo no campo da pintura, incorporar as faixas de cor do ambiente criado pelo artista ou capturar a imagem do corpo fixo ou em movimento do visitante pela superfície da tela.
Hermano Vianna destaca a convivência de dois impulsos na pintura de Zerbini, o primeiro de reapropriar imagens já existentes em um novo contexto pictórico e o segundo de ver cada coisa como se fosse a primeira vez. Essas formas de apropriação contraditórias geram um movimento não linear, de contrastes, em que a harmonia criada não esconde sua artificialidade. Dessa maneira, Hermano afirma
que Zerbini é “um pintor que ao mesmo tempo diz sim ao mundo da ‘reprodução mecânica’e ao ‘mundo natural’, ao mundo ‘com aura’ e ao mundo ‘sem aura’”.
A exposição Pedra Não É Gente, Ainda, realizada pelo artista em 1999 na Galeria Camargo Vilaça (SP), é o eixo pelo qual Sergio Romagnolo aborda uma série de trabalhos denominada marmorizados. Romagnolo intitula o seu texto a partir do que define como perversidade do artista, que apresenta uma pintura fácil e sedutora e ao mesmo tempo questionadora e conceitual. “A pintura de Zerbini num primeiro momento aparece sólida como uma parede de ferro e num segundo momento se levanta como se fosse uma cortina de seda e mostra por trás o vazio”. No entanto, nas pinturas aparentemente vazias de significado podemos encontrar o que há de mais potente na arte contemporânea, a própria conceituação do que é arte.
Da entrevista sobre seu processo criativo, participaram a pesquisadora Anna Dantes, o galerista Alexandre Gabriel, o pintor e professor Charles Watson e a coordenadora da coleção, Luiza Mello. A cronologia permite-nos uma aproximação do desenvolvimento de temáticas artísticas, encontros profissionais e aventuras pessoais ao longo do tempo e de espaços expositivos.
A coleção ARTE BRA estará disponível para download no site www.automatica.art.br, para que possamos ter uma maior e mais efetiva participação de todos os interessados na arte contemporânea brasileira e na cultura do presente em nosso país.
ZERBINI FOR ALL
Agnaldo Farias
Na capa do seu livro Rasura, uma espécie de súmula do pensamento plástico-filosófico de Luiz Zerbini, que ele levou anos tentando encontrar quem quisesse publicar porque o livro, um dos mais importantes documentos que um artista brasileiro produziu sobre seu próprio trabalho, um material simultaneamente esclarecedor e misterioso, não tem texto sobre sua obra, não segue ordem cronológica, não tem sequer uma biografia ajudando a entender quem é o artista, de onde ele veio, onde estudou, principais exposições etc., pois na capa do Rasura, Zerbini aparece em uma fotografia em preto e branco, visto de lado e da cintura para cima, com camisa branca e com o rosto semienterrado em uma parede igualmente branca. Além disso, só algumas sombras, resultado da iluminação feita para a foto, de seu corpo contra a parede, na verdade um fundo infinito, o grande recurso dos estúdios fotográficos para a criação de toda sorte de espaço, muito a calhar para o artista, autor de uma obra polimórfica.
A imagem da capa do Rasura pode ser compreendida como um convite ao leitor para acompanhar o artista em sua menção, avançar nas páginas seguintes. Folheando-o, vai-se atravessando uma coleção surpreendente de imagens, imagens de sua autoria – pinturas, desenhos, aquarelas, esculturas, fotografias e projetos e mais projetos, alguns bem acabados, outros apenas esboçados – e de autoria de outros artistas: pinturas de Toulouse-Lautrec, Guignard, Rubens e Francis Bacon, mural de Diego Rivera, relevo de Gaudí, esculturas de Katsura Funakoshi, Bill Woodrow, fotografia de uma índia Cadvel de autoria de Claude Lévis-Strauss, de três mulheres por Irving Penn, do acervo do MASP quando ainda era exposto nos cavaletes de vidro, segundo o projeto original de Lina Bo Bardi. E outras imagens ainda: desfile de uma escola de samba na Marquês de Sapucaí, capas de discos, joias, roupas e um rol interminável e heterogêneo de objetos, toda uma memorabilia dele e de seus amigos, base de seu cotidiano e de sua obra.
Revela-se aí uma curiosidade e uma admiração generosas por imagens, e também uma compulsão digna de um Aby Warburg contemporâneo ou de um Andy Warhol, entesourador de tudo o que lhe caía nas mãos, de bilhetes a projetos e restos de comida, mas sobretudo imagens. A gente vai vendo e depois de um tanto se volta à capa. É mesmo impossível não fechar o livro; trata-se de uma obra que se consulta aos bocados, que se vê e se abandona para depois se abrir novamente, em seguida ou dias depois. Um livro excessivo e fascinante, grávido de imagens e sugestões. Um legítimo livro de cabeceira, a ser frequentemente visto e lido (tem alguns textos, poucos, é verdade, alguns em fragmentos, alguns apócrifos, alguns pessoais, todos ótimos). Não é apenas um livro, mas um baú que, embora não nos pertença, é repleto de coisas familiares. Um livro pensado como objeto vasto, aparentado com o Livro de areia, o livro infinito, sem começo e sem fim, tema de uma conhecida narrativa de Jorge Luis Borges, também presente no livro por meio de um outro excerto, igualmente intrigante. Pois bem, depois de saber-se mais do livro, familiarizar-se com ele, a volta à imagem da capa leva-nos a concluí-la como tradução do projeto poético do artista: meter a cara no mundo, vencer a distância que o separa dele, com a mesma acuidade e disciplina, embora sem o mesmo desejo de objetividade, dos pintores engajados nas viagens filosóficas, os pintores de raiz naturalista defensores da divisa “eu observo e represento”, em uma tradição aberta pelo naturalista padovano Domenico Vandelli e que deságua em artistas como Margareth Mee, todos admirados por Luiz Zerbini. Como eles, Zerbini tem interesse diferenciado pela natureza, seus detalhes mais discretos, mas diferenciando-se radicalmente ao interpretá-la, chegando a se colocar no meio dela, mimetizado, como testemunha seu surpreendente Eu paisagem (1998). Seus eventuais recuos e distanciamentos, próprios a um artista botânico, são recursos para poder avançar mais e mais.
Desse gosto voraz pela natureza não escapa nem o material da arte, como deixa claro o retrato – será um autorretrato, modelado de seu próprio corpo? – escultórico (Carta ao rei, 2000), realizado em pó de mármore, o respeitável mármore português e resina, com duas caveiras sem as mandíbulas inferiores, cada uma delas colocada sobre um ombro de um tronco sem cabeça, neles cravando seus incisivos. Imagem enigmática essa de um corpo acéfalo, desamarrado em definitivo do controle da mente; reduzido à carne, plasmado em um branco sobrenatural, cadáver ou fantasma, atacado por duas caveiras, figuras recorrentes nas naturezas-mortas de todos os tempos, signos da passagem implacável do tempo, da vida evanescente. Imagem com raízes no conhecido episódio histórico do devoramento do Bispo Sardinha pelos ferocíssimos Caetés, índios fixados nas bandas do Nordeste por ocasião do descobrimento. Página do nosso passado celebrizada posteriormente por Oswald de Andrade na qualidade de primeira manifestação do nosso espírito antropofágico, além de demonstração de gosto discutível do respeito que os Caetés devotavam ao padre, haja vista os covardes, Hans Staden que o diga, não merecerem ser devorados.
Essa relação sensual com o mundo, enunciada de modo a reiterar a indissociabilidade entre um e outro, afora as centenas de paisagens e representações de elementos da natureza, de pedras a bromélias e estrelíceas e abricós de macacos, de presença abundante no Rio de Janeiro, cidade fincada em plena mata atlântica, onde vive o artista, visitante contumaz do Jardim Botânico carioca, seu vizinho de quarteirão, foi lapidarmente estabelecida em sua A ilha (1995), autorretrato em que ele, de pé em uma praia, enquadrado como em uma foto 3x4, coloca-se de frente para o observador e de costas para o mar. A visão do mar, contudo, em um artifício de ressonâncias magritteanas, ao invés de ser interrompida pelo seu corpo, prossegue, deformada pela convexidade de seus modernosos óculos espelhados. Paisagem e retrato se fundem.
O retrato e, dentro dele, o autorretrato, tal como foi consagrado por Rembrandt e Van Gogh, para ficar em dois artistas responsáveis pela elevação desse subgênero pictórico a um estrato superior, é instância de autoconhecimento, percepção de si mesmo, interrogação sobre o significado da existência. Como tal, vale-se do formato vertical como modo sutil de ratificar sua correspondência com quem se coloca diante dele. Um plano vertical reverbera a verticalidade do observador. Já a paisagem remonta à relação que o homem mantém com a linha do horizonte, daí os pintores preferirem-na por meio de formatos retangulares, mais largos do que altos. Tenha-se em mente que o homem, essa verticalidade frágil e movente, mede-se com a paisagem, coloca-se em relação a ela, fonte de seus temores, da sensação de esgarçamento. Os pintores do século XVII em diante souberam dar magnitude ao problema, tratado em chave ainda mais superior pelos românticos do século XIX, como Caspar David Friedrich e suas visões desacorçoantes da natureza, apresentada como o território irredutível ao humano, lugar dotado de leis inescrutáveis, campo do vasto e do sublime, gerador da aguda consciência da finitude, pequenez e impotência humanas.
Luiz Zerbini, homem da passagem do século XX para o XXI, antigo surfista de carteirinha, desses que em uma certa altura da vida, lá por volta de 1976, quando ainda estava no colegial, sob o beneplácito incompreensível (“Não entendo como ele deixou”) do pai, mudou-se com um amigo para Laguna, em Santa Catarina, estância praieira renomada por suas “altas ondas”, vê o problema sob uma outra ótica, mais apaziguada, e longe das idealizações ardentes de certos profetas da ecologia, alguns deles ocupados em encher os outros de culpa pela situação alarmante do planeta. A ilha o traz vestido com a roupa emborrachada preta típica dos atletas das ondas, apropriada para o enfrentamento das temperaturas mais frias. A sua é uma vestimenta um tanto surrada, como denuncia o remendo vermelho na altura do seu antebraço direito, prova de sua vivência. O surfista, como se sabe, é um esteta. O mar não tem transcendência, é apenas o mar – “o mar é tudo, cara!”. A contemplação do vaivém das ondas é um exercício que se esgota em si mesmo. Acima de tudo, interessa-lhe “corrê-las”, são a matéria-prima de seu prazer e de uma vida mais saudável. Porém, há uma nota que destoa dessa atmosfera amena, dessa que pode passar por comunhão superficial entre homem e meio: a supressão de seus olhos, pedra de toque de qualquer retrato, centro da expressão, alvo imediato do olhar de quem se coloca diante de qualquer retrato, de quem se coloca diante de qualquer pessoa. Zerbini olha-nos, mas não nos vemos nesse olhar porque seus olhos então ocultos; rompe-se a transitividade que nos faria cúmplice um do outro: o contemplado no olho de quem contempla e vice-versa. E, repentinamente, o título A ilha ganha outras margens, com o artista, conquanto tão perto, inacessível. Com mar por detrás e diante de si, ilhado, portanto. Mais: o horizonte marítimo, quando passa pelos olhos do artista, suspendese em um arco que curva em direção à sua testa ampla. As feições são sérias. Zerbini é sempre sério, mesmo quando ri e faz rir, como se verá adiante.
Luiz Zerbini é um artista cuja obra exala sensualidade, responsável por uma produção copiosa, pontuada por obras que são declarações de amor, à sua família, aos amigos, aos objetos, extensões de si e dos outros, identificação que se estende às frutas maduras, às árvores e pedras, às paisagens exuberantes frequentadas e admiradas desde sempre. Sua obra discrepa da maior parte de seus contemporâneos, no geral mais evidentemente sérios, sisudos, atormentados, e, quando fazem rir, querem fazer rir, premeditação que conduz ao esvaziamento. Talvez por isso ela venha escapando do olhar de parte da crítica, com apreço pelos tais artistas sérios, sisudos, atormentados, ou por aqueles mais afinados com os ventos do mainstream, ligados no que está na moda. No Brasil, tem-se muita desconfiança do prazer e do humor. Um fenômeno de resto justificável. Depois de décadas sendo identificado como o país do café, futebol e carnaval, depois de os programas de divulgação cultural, no rastro de Carmem Miranda, exibirem nossas mulatas à exaustão, em uma publicidade cujo efeito dúbio se traduziu no intenso comércio sexual de adolescentes em curso nas nossas cidades, o artista brasileiro passou a recusar com veemência essa identificação, por pejorativa. O humor ficou confinado às letras de samba e à crônica, um gênero literário supostamente menor, mas transformado em boa arte por gente como João do Rio, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e Luiz Fernando Veríssimo. Mas esse fenômeno não chegou às artes plásticas, à exceção de Flávio de Carvalho e Nelson Leirner, ampla e duradouramente marginalizados. Houve, como bem se sabe, um grande impulso nessa direção, e ele coincide com a entrada em cena da geração de Zerbini, a conhecida Geração 80, saudada como um estandarte do prazer. No entanto, em alguns momentos, essa defesa foi demasiado descuidada, sem assinalar o valor intelectual dessa produção, do quanto essa alegria, no caso do nosso artista, dava-se por meio de uma sensibilidade e habilidade únicas, aliada a uma visão de mundo e de seu lugar nele, sem paralelo entre seus colegas. Enfim, uma competência voltada para questões clássicas – paisagem, natureza-morta, retrato –, mas a partir de situações e motivos reconhecidamente comuns ou muito visitados, como os eletrodomésticos que nos rodeiam e as paisagens cariocas, tudo isso vazado em linguagem de extração naturalista. Em um tempo em que a investigação é imediatamente confundida com instalações multimídias, trabalhos relacionais, produções teóricas, a produção pessoal de Luiz Zerbini, ou seja, deixando-se de lado sua atuação febril como membro do Chelpa Ferro, um coletivo além de qualquer definição, é, para mentes desavisadas, um anacronismo.
A Ilha, 1995. Acrílica sobre tela. 180 x 80 cm
Abajur, 1997. Acrílica sobre tela. 110 x 90cm
Sem título, 1996. Acrílica sobre tela. 180 x 140 cm
A Ilha, 1995. Acrílica sobre tela. 180 x 80 cm
A ilha demonstra a validade de uma crença assumida lá no começo, quando contava entre 14 e 15 anos e era aluno do pintor Van Acker, responsável pelos primeiros fundamentos técnicos: a pintura, e o trabalho de arte como um todo, “deve vir de fora... deve receber de fora e não o contrário”. E se, em 1995, essa ideia seguia forte, em 2008 ela adquire uma amplitude maior, quase um corte no que vinha fazendo, um desses raros, raríssimos resultados merecedores de serem saudados como acontecimento novo. Sob o título paisagemnaturezamortaretrato, Luiz Zerbini realizou em 2008, no Centro Universitário Maria Antonia (CEUMA), em São Paulo, uma grande instalação pictórica, na qual os visitantes, na condição de coisa “que vem de fora”, transformavam-se nas pinturas. Para tanto, o artista recobriu de preto toda a sala expositiva, paredes e tetos, aplicando calculadamente cores vivas no conjunto de vigas e pilares desalinhados, responsáveis por aquele ambiente, no tocante à exposição de obras de arte, curiosamente sua função primordial, uma equação de solução complexa. Sobre as paredes, vinham as “pinturas reflexivas”, recobertas com esmalte preto altamente reflexivo, nos formatos relativos aos gêneros: horizontal para a paisagem, vertical para o retrato, mais próximo ao quadrado e de menor tamanho para a natureza-morta.
O dado especular das pinturas faziam-nas registrar em suas superfícies quaisquer acontecimentos exteriores, das cores estampadas nos magros planos verticais e horizontais das vigas e pilares aos visitantes que se viam baçamente reproduzidos como silhuetas multicores esmaecidas. O termo “reflexivo” carrega uma fértil ambiguidade: as pinturas sendo simultaneamente um pensamento sobre a pintura. A ambiguidade estende-se à sua natureza, o fato de serem a um só tempo abstratas, quando o ângulo de visão do visitante não inclui nem seu corpo nem o corpo de ninguém no campo da pintura e elas ostentam somente a cor preta meticulosamente aplicada, abstratas, geométricas, quando enquadram as faixas de cor das nervuras das lages e das colunas, e figurativas, quando a imagem do corpo fixo ou em movimento do visitante é capturada pela superfície da tela. Como a garantir a recepção da complexidade do trabalho, o artista posicionou no chão, em frente ao retrato, uma caveira, a lembrança da vacuidade da vida.
Há um quê de experiência cinematográfica nessa relação entre corpo e pintura, nessa experiência imersiva pontuada pela presença das telas fixadas nas paredes, armadilhas de captura dos corpos. Com paisagemnaturezamortaretrato, Luiz Zerbini abre em definitivo uma nova perspectiva em seu trabalho, de lastro conceitual mais evidente. Depois de trinta anos cuidando de representar a partir da observação criteriosa do mundo, não se cansando de alertar aos seus assistentes sobre a inadequação de se pintar a partir de fotos sob pena de o resultado sair plano, artificial, o artista encontrou um meio imprevisto de capturar o mundo. Ainda que o mundo venha sob a forma de manchas, pois, afinal, as representações, mesmo as realistas, ao suprimirem o tempo e o movimento, não são igualmente limitadas?
A abertura de Luiz Zerbini para o mundo, para a representação direta das coisas, caminho para o qual ele estava especialmente dotado, colocou-o em uma rota singular. Seu talento inato, sua tendência ao virtuosismo chegou a atrapalhá-lo. Afinal, na altura em que sua carreira começava a deslanchar, o interesse recaía sobre a bad painting, a fatura e a imagética tosca de artistas como Penck, Basquiat e Kippenberg. Quando Rubem Breitman, sócio de João Sattamini na galeria Subdistrito, em São Paulo, ironicamente propôs “Vejam como sou habilidoso”, como título de sua exposição individual em 1988, colocou o dedo na ferida. Foi exatamente esse talento o responsável pela crise quando do seu ingresso no curso de artes plásticas da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), entre 1978 e 1981, sob a tutela de professores como Nelson Leirner, Julio Plaza e Regina Silveira, todos sem interesse pela pintura. A coisa só voltou a funcionar quando entrou em contato com seus futuros colegas da faculdade, Leda Catunda, Sergio Romagnolo e Ciro Cozzolino, cujos grafites lhe interessaram muito. Embora interrompida por algumas viagens, a passagem pela FAAP teve bons momentos, como quando conheceu Dudi Maia Rosa e passou a ter aulas de aquarela com ele na Áster, um centro de estudos criado por Julio Plaza, Regina Siveira, Donato Ferrari e Walter Zanini, que funcionava no bairro do Pacaembu. Lá também fez o contato com Leonilson, de curtíssima passagem pela instituição, companheiro na fuga para as aulas de Nelson Leirner, o mestre de quem reteve o ensinamento: “o trabalho [uma obra de arte] não acaba nunca”. Leonilson, até então enfiado na moda e na publicidade, entreviu nos trabalhos do amigo a possibilidade de ele próprio virar artista. Por sua vez, a qualidade e a desenvoltura dos desenhos de observação do colega, sem muita bagagem artística, levaram Zerbini a questionar os seus, a seu ver travados pelo peso de uma formação específica. Com Leo, ele dividiria o ateliê no Jardim da Previdência, bairro situado na zona sudoeste de São Paulo, e depois faria viagens à praia de Maresias.
A amizade e o trabalho em conjunto com Leonilson tiveram sua parcela de responsabilidade em mudanças importantes na vida do artista, como o contato com a trupe teatral carioca Asdrubal Trouxe o Trombone, de grande impacto na cena cultural paulistana. Perambulando nos Jardins, nas imediações da Bela Cintra com a Estados Unidos, os dois esbarraram com Evandro e Patricia, duas das celebridades da trupe, que os convidaram para grafitar o cenário de Aquela coisa toda. Além de trabalho, a encomenda gerou o casamento com Regina Casé, estrela do grupo, em última análise responsável por sua mudança de São Paulo para o Rio de Janeiro.
O AMOR PELOS AMIGOS, PELOS OBJETOS, PELA PAISAGEM
“Eu sempre tentei ver as artes todas com os olhos dos leigos. Os movimentos sempre estão ligados a um universo muito teórico, erudito, que sempre esteve voltado para sua história, sempre foi muito restrito; isso nunca me interessou. [...] A história da arte é divertida, mas existe um diálogo emocional com a pessoa que vê meu trabalho que me interessa mais. Seria útil se isso acontecesse sempre, facilitaria o entendimento. O Arnaldo Antunes disse, uma vez, alguma coisa parecida com fazer poesia com conteúdo para as massas e que isso era possível através do rock. Seria ótimo que isso acontecesse em todos os níveis. Acho que é o sonho de todo artista, dá a sensação de que se pode mudar alguma coisa.” (Numa noite fria. Conversa com Sergio Romagnolo. Subdistrito, 1988).
A grande movimentação artística em torno da pintura ocorrida no Rio de Janeiro nos primeiros anos da década de 1980, com epicentro na Escola de Artes Visuais do Parque Laje (EAV), afetou diretamente a vida de Zerbini, muito embora ele, artista formado, não tenha frequentado seus cursos e sua rotina efervescente, até porque ganhava a vida com a elaboração de cenários. Mas sua produção chamou a atenção dentro e fora da EAV, a ponto de ser convidado para a famosa mostra Como vai você, Geração 80? (1984), com a curadoria de Marcus Lontra, Paulo Roberto Leal e Sandra Maeger, e no ano seguinte, após começar a trabalhar com Thomas Cohn, o marchand que abriu as portas para grande parte desse grupo, a realizar sua primeira individual na galeria Subdistrito, em São Paulo.
Os Embaixadores do Oriente no Brasil, tela de 1989, com as alentadas dimensões de 200 x 285 cm, uma das protagonistas da coletiva – Fabio Cardoso, Leonilson, Daniel Senise, Luiz Zerbini – organizada no MASP pelo curador João Pedrosa, em 1989, importante para o reconhecimento da geração, demonstra os elementos intrincados postos em cena por Luiz Zerbini. O título e a composição organizada a partir de duas figuras posicionadas atrás de uma grande mesa de vidro, sentadas cada uma de um lado, nem diante de nós nem diante uma da outra, mas com os troncos e olhares cruzando-se diagonalmente, faz referência a duas obras clássicas – a pintura de Holbein Os embaixadores, de 1553, e o retrato de Paul Leclerc
feito por seu amigo Toulouse-Lautrec (páginas 153 e 155 de Rasura) – e também a uma propaganda de banco. De Toulouse-Lautrec, Zerbini extraiu a posição de Leclerc para duplicá-la espelhadamente, de modo que seus embaixadores não se olhem nos rostos. Enquanto, na tela de Holbein, os objetos, uma espécie de wunderkammer (gabinete de curiosidades) da ciência, estão entre os dois homens, na de Zerbini eles estão dispostos sobre a mesa, logo no primeiro plano, entre os homens e ao lado deles. Ainda entre os dois homens, de costas para eles, de frente para a paisagem exuberante e caótica oferecida pela parede de vidro do edifício onde estão, vê-se um homem envergando um casacão vermelho escuro. A rigor, a pintura reúne três gêneros simultaneamente: natureza-morta, retrato e paisagem.
Como se viu a partir da mostra do CEUMA, uma sobreposição de gêneros de há muito alvo do artista. O homem situado no vértice do seu interesse por si mesmo, no interesse pela matéria, natural ou transformada, de frutas a objetos, e, por fim, no interesse pelo mundo, na paisagem que escorre até onde a vista alcança. Enquanto em Holbein o globo terrestre é apresentado em duas versões, uma sobre a mesa em que os homens apoiam os cotovelos e outra, mais portátil, em uma prateleira logo abaixo, Zerbini coloca o globo em primeiríssimo plano, cortado em dois, como a montanha de pedra vista ao fundo, interrompida por um arranha-céu, a bem dizer uma versão do edifício-sede Banco do Estado de São Paulo, símbolo da sua cidade natal. Aliás, a paisagem que ele nos mostra é uma versão da barafunda estilística do nosso país, síntese de motivos cariocas e paulistanos, das palmeiras imperiais e do morro do Pão de Açúcar, aos prédiosecléticos e modernos, entre as luzes da cidade encarapitadas ao pé dos morros. Reflexos e transparências concorrem para a balbúrdia visual, para as massas dramáticas de cores, os torvelinhos voluptuosos de linhas e formas momentaneamente condensadas na roupa do embaixador da direita, repicando nas grossas cortinas laterais, como as cortinas de um grande cenário, levando-nos a pensar na ornamentação, sob a forma de padrões, arranjos de feições intrincadas, sejam elas geométricas ou extraídas da natureza, como o resultado da embaixada desses senhores. A transparência obtida pela mesa de vidro faz a paisagem externa entrar invertida pelo ambiente, suprimindo a diferença entre o dentro e o fora. O artista apresenta os homens do Oriente entre nós, instalados em um espaço formado pela interpenetração virtual e concreta da cultura com a natureza, dos reflexos com as imagens, da mistura dos tempos expressa nas roupas desencontradas e na diversidade estilística, quase disparatada dos prédios.
O Hamlet contemporâneo não segura a caveirinha não, painel monumental de 195 x 622 cm, realizado em 1994, inspirado na frase críptica do carioca Fausto Fawcett, figura popular na cena cultural do Rio de Janeiro, ele mesmo retratado na obra, constitui-se na mais ambiciosa e bem-sucedida mescla entre os gêneros naturezamorta, retrato e paisagem. Desenrolando-se da esquerda para a direita, obedecendo ao sentido de leitura habitual, a imagem progride da vista desbordada da paisagem carioca, da cadeia de montanhas, céu e mar ao fundo, tratada em variações delicadas e transparentes de verdes e azuis, contrapostas ao casario baixo chegando até o primeiro plano, na varanda de um apartamento demarcado por seu guarda-corpo de alumínio, ladrilhos e lâmpadas, e onde pendem graciosas e arrítmicas vagens secas amarronzadas, engalanadas por lindas flores vermelhas e amarelas de forma semelhante a campânulas. A imagem segue pela sala envidraçada, onde um grupo de pessoas organizadas em um círculo de cadeiras parece meditar sobre um tema, como um daqueles silêncios repentinos que abrem clareiras nos encontros, para terminar em um plano vertical, uma parede de azulejos geométricos com motivos azuis, vermelhos, laranjas e brancos, em cuja extremidade inferior há uma pequena abertura retangular, uma janela emoldurando uma mulher lendo uma revista, tendo ao seu lado, no batente, ao alcance de sua mão esquerda, uma caneca. Os mais de seis metros de largura da tela impõem ao observador um deslocamento do olhar próximo a uma tomada cinematográfica, um longo plano-sequência com seu princípio em um espaço profundo e arremate em um plano chapado.
Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, 2008
Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, 2008
Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, 2008
Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, 2008
A pintura de Luiz Zerbini joga simultaneamente com a simulação de profundidade perseguida pelos pintores do Renascimento e com a pintura de superfície, fundada em padrões ornamentais, típica de várias culturas orientais. E como ponto de união entre essas duas concepções, da pintura assumida como representação do mundo para lugar de produção do visível, Luiz Zerbini representa-se a si mesmo: é ele próprio no exato ponto médio da imagem, apoiado em uma janela com metade do corpo para fora, coincidindo com o ponto de fuga da varanda, contemplando a paisagem enquanto seus amigos confabulam em circunlóquio acerca de, a julgar pelo título, Hamlet.
Tomando a paisagem como mote, quais são as variações possíveis? Segundo Luiz Zerbini, isso pode ir muito longe. Para começar, a sala ou qualquer um dos ambientes da casa onde moramos e trabalhamos, nossa paisagem mais cara e próxima, aquela na qual nos enfiamos e moldamos de acordo com nossos gostos, um convívio íntimo que a impregna de nós tanto quanto nós nos impregnamos dela. Nessa vertente, são especialmente saborosos os retratos dos amigos, a série composta por Barrão (1995), Angelo (1995), Festa (1995), Madame (Beatriz Milhazes) Caduvel (1995), o majestoso políptico Barra 7 (1995), além do autorretrato A ilha, já comentado. Mas se em A ilha a tensão se concentra exclusivamente na relação entre os óculos e o mar, objeto espelho da paisagem, todos os outros retratos devem sua força à multidão de objetos que cercam o retratado, responsáveis pela amplitude de sua dimensão psicológica. Antes de passar a ele, convém assinalar que, além de seu autorretrato, também o do seu amigo, o artista Angelo Venosa, destaca-se pelo despojamento. No tronco translúcido, vestido de preto, de Venosa, entrevê-se a representação borrada da estrutura óssea, das costelas à bacia e fêmures, passando pela espinha dorsal, tudo em diálogo com um osso, um único osso visto em primeiro plano, referência a um fragmento das conhecidas esculturas desse artista.
Nos outros retratos, o resultado é obtido pelo alinhavo de partes distintas, desenhos, pinturas e fotos de objetos articulados com a imagem do retratado, tanto em close, como acontece com o retrato de Bia Milhazes, quanto inscrito em um ambiente, como, por exemplo, instalado em uma poltrona. Nesses casos, como acontece em Barrão, depreende-se a morosidade do processo, sua natureza de mosaico montado lentamente, pelo ajuste das partes diversas entre si – o que tem a ver o cartão-postal de um Buda com uma furadeira com um jogo de pedais de guitarra com uma raquete de tênis com uma lata de WD40 com um tubo de televisão? –, que se vão chegando, se encaixando, sem a tranquilidade de uma sintaxe prévia, até orbitarem com certa tranquilidade, semelhante à atmosfera controlada produzida por um ar-condicionado especialmente ruidoso, em torno do perfil afável de Barrão, torcedor do Fluminense, refestelado em uma bergère forrada com um tecido de oncinha.
Nesse conjunto de retratos, sobressai a ideia paulatinamente subjacente à obra de Luiz Zerbini, segundo a qual os objetos, de eletrodomésticos até as fotografias e
etiquetas que por algum motivo colecionamos, nos explicam até mais do que isso: o conjunto deles, ininterruptamente constituído por meio de um work in progress que só cessa com a nossa morte, forma uma modalidade particular de paisagem, um ecossistema feito à nossa imagem e semelhança. Segundo essa lógica, homem, objeto e paisagem formam um trinômio, em que cada termo equivale ao outro. Qualquer um é capaz de compreender que algo da pessoa Beatriz Milhazes repercute na sua exuberante obra pictórica, mas talvez seja menos evidente a proposta de Zerbini: a obra de Milhazes ilumina e é iluminada pelos desenhos faciais dos Caduveos, efeito semelhante ao da foto de Maria Callas na capa do vinil em que ela interpreta a Madame Butterfly, e até mesmo com a feição irrepreensível dos coleópteros, besouros e joaninhas, verdadeiros broches coloridos, com o desenho escandido e simétrico de suas antenas e patas. Isso sem contar os arabescos, os torneios lineares, as volutas e rendas tomados de empréstimo da tradição, venha ela da história da arte, da glória do nosso passado barroco ou do ofício afanoso das mulheres à beira das praias nordestinas, trabalhando com as técnicas próprias aos bilros, filés e labirintos.
O artista propõe essa identidade entre homem e paisagem, natureza-morta e homem, natureza-morta e paisagem, por meio de elaborações ousadas e originais, como em Paisagem digital, uma construção chapada obtida pelo empilhamento de amplificadores, pré-amplificadores, CD players, todos com sua gama variada de botões, VUs, osciloscópios, painéis digitais, dials, entradas de plugs, leitores de curvas de frequências, as linhas senoidais com sinuosidades variantes, de acordo com os ataques, sustains e decays dos sons, tudo isso multicolorido e em confusão com uma grelha de linhas verticais e horizontais, com insinuações de paisagens verdadeiras, naturais, com linha de horizonte, azuis claros aquáticos e planos estirados e sinuosos, semelhantes a colinas suaves elevando-se depois da praia. E se o som não é um atributo da pintura, uma parede de equipamentos sonoros é. Recupera-se pela identificação dos objetos um dos aspectos essenciais de qualquer ambiente, fundamental para todos aqueles iniciados musicalmente na passagem dos anos 1960 para a década seguinte, na esteira dos Beatles Rolling Stones Led Zeppelin e Jimi Hendrix; Frank Zappa Edgar Varèse e Karlheinz Stockhausen; Novos Baianos Jackson do Pandeiro João Gilberto e Caetano Veloso: os sons naturais, a música tonal e atonal, as melodias cantaroladas e assobiadas, a
música da fala, os ruídos urbanos – todos os sons.
A paisagem de todos aqueles crescidos nas grandes cidades também é composta pela pequena parede de equipamentos eletrônicos, capas de discos – vinis e, em seguida, CDs. Essa relação com o som em geral e a música em particular, cruzada com as artes plásticas, levou Luiz Zerbini a formar com Barrão e Serginho Mekler o Chelpa Ferro, um agrupamento plugado em tudo, como ilustra a capa de um de seus CDs, hoje peça de coleção. Mas não será o caso de tratar aqui dessa formidável contribuição para a complexidade e adensamento do nosso meio. Interessa antes sublinhar a original e consistente releitura da natureza-morta, um motivo ancestral cujas raízes imediatas remontam aos pintores holandeses da metade do século XVII, atualizada por Zerbini a partir de frutas e plantas, chegando aos objetos da era eletrônica, com destaque para aqueles ligados à música, à difusão e produção do som.
Esse caminho tomou impulso com a longa série de naturezas-mortas de grandes proporções, realizadas em tinta acrílica sobre tela, em solução diluída, à maneira de aquarelas. A exposição individual ocorrida na Galeria Camargo Vilaça, em agosto de 1993, trazia um conjunto delas, parte realizada em aquarelas sobre papel, em formato 30 x 60 cm, e outras de grande formato, possibilitadas pelo uso da tinta acrílica. A subversão do formato, o uso das grandes dimensões para natureza-morta, para objetos pequenos, como a cesta de caquis e caju representados em uma tela de 180 x 220 cm, cria relações imprevistas. Frutas e objetos, transpostos para a tela e papel com dimensões semelhantes, próximas ao real, trazem o olhar para perto, pedem a inclinação do corpo em sua direção, convocam uma apreensão mais íntima, capaz de acariciar sua superfície, desvelando suas peculiaridades, a variação de tons, as comissuras e reentrâncias sutis. Fazem valer o significado contido no termo em inglês still life ou no holandês stilleven, de vida silenciosa; algo, um objeto, aparentemente estático, mas carregado de movimento, como o apodrecimento inevitável das frutas, o envelhecimento e morte expressos em caveiras, signo maior desse drama da existência.
Os objetos chamam-nos como se sussurrassem seus segredos, especialmente se feitos em aquarela, material suscetível, volátil, que desliza rápido pela topografia do papel, fazendo com que percebamos seus acidentes. O pincel aquarelado é um instrumento veloz, poucos gestos fazem desabrochar a imagem que ele, como uma antena sensível, captou na luz. Ampliados, desmesurados, os objetos fazem-nos recuar até caberem em nosso cone de visão, avançam para os domínios do retrato, criam um corpo a corpo conosco. Um desafio que amplifica o mistério que
trazem embutidos.
Essa pesquisa sobre a natureza-morta irá confluir para uma de suas séries mais intrigantes, datada do final da década de 1990, toda ela realizada a partir da técnica de marmorização. A julgar pela sequência de páginas do Rasura, onde ela aparece, seu surgimento, em coerência com toda sua produção acerca do trinômio natureza-morta, retrato e paisagem, chega na esteira do Eu paisagem, tela na qual a observação dos dados da natureza atinge seu paroxismo, talvez o ponto alto da pegada barroca do artista, tamanha a variedade, proliferação e aglutinação de texturas, formas, cores, uma apoteose vegetal entre cortina, véu e gruta, derramando-se, encobrindo, provocando a progressiva submersão de uma arquitetura, adivinhada por fragmentos, pela geometria de tijolos assentados, por paredes em ângulos, por uma pequena piscina ou tanque, por uma mesa sob a qual, inclinada, uma figura humana de costas, recoberta dos pés à cabeça com uma textura semelhante à de uma “costela de adão”, tendo em lugar da cabeça uma bromélia em plena florescência, serve-se dos potes e tigelas depositados sobre ela. No meio dessa concentração de vida, de bromélias, brotos de bambu e mandacarus, jabuticabas, sapucaias com suas sementes voadoras, sibipirunas azuis, helicônias, paus-negros e taboas, strelitzias e palmeiras, mais caixas de som, holofotes, uma inverossímil cabeça com capacete, tudo isso minuciosamente representado, resultado de uma observação prodigiosamente atenta – “Pra pintar uma planta você tem que se transformar numa planta” –; no meio disso tudo, à meia altura e à esquerda da tela, deitado, desponta o perfil da cabeça do artista, apenas ela, com a cor terra alaranjada que Gauguin emprestava aos seus homens e mulheres, com a boca encoberta por uma folhagem vermelha, submerso em matizes cromáticos aquecidos.
Angelo, 1995. Acrílica sobre tela. 240 x 190 cm
Paisagem Digital [detalhe], 2002. Acrílica sobre tela. 145 x 245 cm
Sem título, 1993. Acrílica sobre tela. 180 x 270 cm
Angelo, 1995. Acrílica sobre tela. 240 x 190 cm
Essa comunhão entre retrato, natureza-morta e paisagem teria soluções igualmente exuberantes nesse mesmo ano de 1998. Se eu tivesse uma guitarra e O sanfoneiro pertencem ao mesmo veio, ao mesmo jardim cultivado por Luiz Zerbini. Com essa sequência de telas, ele atinge o diálogo emocional com o espectador, desde sempre perseguido. É sintomático que O sanfoneiro seja uma clara homenagem a Luiz Gonzaga, proximidade que ele deixa evidente ao colocar em seu livro, lado a lado, a tela com a capa do vinil Forrobodó cigano, do grande músico sertanejo. Sob o fundo alaranjado, a capa nos traz, à maneira mesma de Zerbini, o gibão e o chapéu de couro apoiado em uma sanfona deitada, compondo o formato do corpo de uma pessoa. Também aqui o homem se definindo por seus instrumentos. E não um homem qualquer, mas aquele que honrou a raiz do forró, o for all dos gringos, referindo-se ao povo de fora da casa, tocando para o povo. O homem que respondeu à apreensão de Gilberto Gil, preocupado com a banalização de sua música pela divulgação em excesso, explicando que ele fazia música “pra tocar no rádio”, tema de uma música/sucesso do mesmo nome, composta por Gil depois dessa conversa, prova da lição aprendida. E não é isso o que diz Zerbini quando cita Arnaldo Antunes defendendo o rock como veículo de poesia para as massas? Não é esse o sonho de Zerbini, defendido como o sonho do artista em geral – “a sensação de que se pode mudar alguma coisa” –, se a irradiação da poesia acontecesse em todos os níveis? É justamente neste ponto que reside a exuberância de sua obra, a vontade de levar a todos, quase por impregnação, a potência do mundo. Como um som alto, capaz de vencer as paredes, por mais espessas e indiferentes que sejam.
Eu paisamge [detalhe], 1998. Acrílica sobre tela. 295 x 280 cm
Se eu tivesse uma guitarra, 1998. Acrílica sobre tela. 190 x 186 cm
Eu paisamge [detalhe], 1998. Acrílica sobre tela. 295 x 280 cm
IMPULSOS
Hermano Vianna
A arte de Luiz Zerbini é produto de dois impulsos aparentemente contraditórios. O primeiro impulso, comum à maioria dos pintores de sua geração – dos neoexpressionistas aos neominimalistas –, busca a reapropriação de imagens “pré-fabricadas” (por outros pintores, por fotógrafos, por redes de televisão etc.), colocando-as em novo contexto pictório. O segundo impulso, mais raro no panorama artístico atual, é produto de uma vontade toda-poderosa de ver cada coisa como se fosse a primeira vez, sendo cada quadro o resultado desse processo contínuo de estranhamento/ acolhimento da realidade.
Os dois impulsos poderiam dar origem a uma arte esquizofrênica. De um lado, estaria a procura, tantas vezes criticada como ingênua, de um “contato imediato” com o real; do outro, a constatação da impossibilidade desse imediatismo e o retrabalhar, justamente, com qualquer mediação, tornando explícita sua condição mediadora. Nada contra a “esquizo-arte”, mas esse rótulo não tem nenhum poder explicativo no caso de Luiz Zerbini. Seu trabalho pode ser pensado, com maior “rentabilidade” crítica, como a tentativa desesperada (mas sem qualquer dramaticidade) de conciliar os dois impulsos inconciliáveis, inventando uma espécie de utopia tropicalista ou atingindo aquilo que Paul Ricoeur um dia apelidou de “segunda ingenuidade”, a única ingenuidade possível quando se é resolutamente e inevitavelmente moderno.
Luiz Zerbini utiliza várias estratégias para atingir esses objetivos artísticos/utópicos. Uma de suas táticas mais evidentes é dar um tratamento igualitário à imagem “pré-fabricada” (aquela que já é cópia de outras imagens) e à imagem que antes da modernidade poderia ser classificada como de “primeiro grau” (principalmente as paisagens). Mais do que isso, esse tratamento não quer ser neutro: pintar seria uma maneira de aprovar a imagem, mesmo a cópia mais banal, mesmo a ilusão mais ingênua de perspectiva. Nesse sentido, Luiz Zerbini mostra-se antes de tudo como um pintor mais-do-que-pop, um pintor que ao mesmo tempo diz sim ao mundo da “reprodução mecânica” e ao mundo “natural”, ao mundo “com aura” e ao mundo “sem aura”. Tudo passa a conviver por conta de uma harmonia que não esconde sua artificialidade no mesmo quadro.
A história da pintura de Luiz Zerbini é um movimento não linear entre esses extremos. Das paisagens “urbanas” ao “barroquismo” das caravelas portuguesas (e do casario baiano servindo como pano de fundo para a passagem de um trio elétrico McDonald’s), passando por aquelas naturezas-mortas gigantescas que destacavam e amplificavam elementos que podiam estar em outras de suas pinturas. Todos esses quadros podem ser analisados como colagens (característica que o trabalho Brasil Colônia vem enfatizar, iluminando retroativamente a pintura de Luiz Zerbini, daí sua importância e talvez surpresa para alguns observadores inatentos) de imagens díspares (“copiadas” ou “autenticadas”). Uma colagem especial, que, tomando como já consolidada a subversão pós-cubista, pode experimentar caminhos mais ousados/“cordiais” como a fusão não declarada de estilos e a mestiçagem antisseparatista de um sampler de imagens.
Mais importante que esse procedimento (e o seu maior ou menor grau de explicação) é uma espécie de nominalismo, que Gilberto Freyre já disse ser a característica mais marcante da arte latino-americana, que o torna possível e pop. Um nominalismo que é exercitado não apenas diante das “coisas do mundo”. Um nominalismo que não esconde suas conexões com uma atitude de devoção religiosa diante de qualquer imagem. Cada imagem como única (apesar de reproduzível ou já “desgastada” pela reprodução): por isso mesmo capaz de maravilhar olhos já acostumados com um mundo pós-natural, não mais o mundo que maravilhava Ramon Lullio. Um mundo de contraste, da “saturação das imagens” do “overload” de informações: Luiz Zerbini mostra que esse é um belo (mesmo descrente da beleza) mundo. É simples: a arte de Luiz Zerbini é tão saturadamente barroca que chega a ser zen.
Alfama, 1989. Acrílica sobre tela. 180 x 280 cm
Vista Aérea, 1985. Acrílica sobre tela. 210 x 275 cm
A menina e o peru, 1988. Acrílica sobre tela. 166 x 244 cm
Alfama, 1989. Acrílica sobre tela. 180 x 280 cm
A PERVERSIDADE DE ZERBINI
Sergio Romagnolo
Em seus trabalhos mais recentes, Zerbini coloca-nos sua grande perversidade. Quando se chega à exposição, veem-se grandes telas cheias de detalhes, muito bem pintadas. À primeira vista estas pinturas nos enchem os olhos e, desta forma, ingenuamente nos colocamos diante delas sem conflitos e com a certeza de que a pintura contemporânea reencontrou o seu caminho de beleza e destreza manual. Mas de repente descobrimos que suas pinturas são resultado de uma técnica simples de marmorização, em que se coloca a tela por cima de um líquido aquoso, com outros elementos pigmentados de base oleosa, de modo a formarem uma sopa psicodélica que é fixada à tela quando esta é levantada.
Agora é que começa o jogo proposto por Zerbini: poderia uma pintura tão exuberante ser apenas um resultado de uma operação tão simples? Poderia. Então seria isto arte? Seria. O público não iniciado acredita que a pintura se faz de destreza manual misturada à procura da beleza imediata. Zerbini oferece a ilusão desta mistura, para logo após retirar todo o chão que fundamenta esta ideia, deixando o espectador só, sem saber o que fazer. O que sobra é, aparentemente, uma pintura vazia de significado e poética. Mas deste vazio surge o que há de mais potente na arte contemporânea, ou seja, a própria conceituação da arte. Zerbini dá e tira, e deixa no lugar a questão fundamental e central do que é a arte e até onde ela vai.
A pintura de Zerbini num primeiro momento aparece sólida como uma parede de ferro e num segundo momento se levanta como se fosse uma cortina de seda e mostra por trás o vazio. A perversidade de Zerbini consiste em dar e retirar, em ser pintura popular e pintura conceitual. Esta exposição resume a mecânica da arte atual: ela se mostra fácil e sedutora, e em outro momento dá o bote, trazendo o veneno do questionamento e da autoconceituação. Zerbini não tem dúvidas do que sua pintura é. Se existe alguma dúvida, está nas mãos do observador. A bem da verdade, estas pinturas funcionam como um espelho: se quem olha quer ver um pintor virtuoso, esta visão é possível, mas, se quem olha quer ver um artista que consegue armar sua teia conceitual e nos prender nela, também será bem-sucedido.
ENTREVISTA
Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2009.
Participantes: Alexandre Gabriel, Anna Dantes, Charles Watson e Luiza Mello
Luiz Zerbini
Quando eu comecei, é isso?
Alexandre Gabriel
Não, o que o motivou ou quando é que você viu que ia virar artista, ou quando você descobriu que já era?
Luiz Zerbini
O primeiro quadro que eu fiz e gostei foi em 1978, uma das poucas datas que eu me lembro. Eu assinei, era um caminhão. Esse foi o primeiro quadro a óleo, que devia ter 60 x 60 cm.
Alexandre Gabriel
Como era esse quadro, você lembra?
Luiz Zerbini
Lembro, era uma vista daquela pracinha do pôr do sol lá de São Paulo, da USP, ali de cima, um lugar onde a gente ia para ver o pôr do sol e podia ver a cidade universitária lá embaixo.
Alexandre Gabriel
Foi uma paisagem.
Luiz Zerbini
É, uma paisagem noturna da cidade, e tinha um caminhão vermelho escuro, com uma caçamba amarela e uns cachorros em volta. E, lá no fundo, o estádio de futebol com as luzes acesas. Já tinha um monte de elementos estranhos, mas que passavam a fazer um sentido. Foi quando percebi que não estava copiando nada, antes eu ficava copiando pinturas de livros, paisagens impressionistas...
Charles Watson
Desenhos técnicos as well, também?
Luiz Zerbini
Sim.
Charles Watson
Porque sempre nos quadros tem aqueles momentos... Sabe aquela vontade que dá de pintar uma maçã? Aí você não consegue pensar mais em nada. Você tinha isso na pintura durante bastante tempo, não é? Pequenos detalhes.
Luiz Zerbini
Eu era bom observador e tinha facilidade para pintar.
Charles Watson
E você se sentiu obrigado, em algum momento, a ter que controlar esse lado e pensar mais nas questões que envolvem uma pintura contemporânea?
Luiz Zerbini
Tive, claro.
Charles Watson
E como foi isso?
Luiz Zerbini
Sempre ouvi que minhas pinturas eram muito sedutoras, e isso não era exatamente o que eu estava esperando delas, causava um erro de interpretação. Eu me obriguei a tentar procurar diferenças.
Charles Watson
Mas acabou sendo fácil, essa briguinha acabou fazendo parte até hoje de muita coisa que você faz.
Luiz Zerbini
É, acho que sim. É porque foi anterior a isso tudo... Eu tinha uns insights. Eu estava na rua e às vezes achava que entendia o mundo inteiro num instante, e comecei a achar que tinha uma relação com a maneira como eu observava as coisas. Eu olhava uma coisa qualquer e tinha a sensação de que entendia aquilo profundamente. Era disso que eu gostava, mas não sabia muito bem o que era. Eu gostava de ir pro centro da cidade de São Paulo no domingo, quando a cidade estava vazia, e ficar andando, entrar nas ruazinhas. Eu tinha uma sensação espacial muito estranha, um senso de direção muito radical, eu sentia, cada vez que eu virava pra um lado, numa esquina, eu percebia a mudança em relação à minha posição anterior, paralela ou perpendicular a todas as coisas que estavam ao meu lado antes, prédios, ruas, sabe? Como se eu fosse um GPS, e isso às vezes era muito forte... Eu sentia isso em relação ao sol, à Terra e à lua. No final do dia, quando a luz ficava meio em diagonal, e ia batendo só em uns pedaços dos prédios, eu tinha quase vertigem. Sentia onde o sol estava, sentia o movimento dele em relação à Terra e seguia caminhando pela sombra fria de um prédio que era, naquele momento, um imenso volume vertical que cortava os raios retos de luz. Depois saía para a luz e sentia na cara o calor daqueles raios que vinham de uma bola gigante de fogo que descia devagar para o outro lado da Terra. Então, eu pensava na diferença da cor laranja, no efeito da atmosfera na cor da luz do sol, na tangente reta da luz raspando na superfície da Terra e no vapor úmido filtrando a luz que dava aquela cor alaranjada que esquentava a lateral dos prédios. Então... Eu era um garoto atormentado.
Charles Watson
Seu hábito de desenhar e de pintar fazia parte de uma espécie de celebração disso ou você já fazia de uma maneira disciplinada?
Luiz Zerbini
Não. Eu devia ter uns quatorze anos, e conversando com meu professor de pintura, José Antônio Van Acker, contei essas histórias e ele falou que eu tinha esses insights porque eu era artista. Fiquei surpreso e, ao mesmo tempo, acreditei na hora. Fazia sentido. Foi aí que mudou. Eu fiquei realmente ligado a esse cara. Ele era um colorista, figurativo e em alguns momentos até surrealista. Ele pintava muito bem, pintava a óleo, e me ensinou muita coisa. Fiz alguns anos de aula com ele e comecei a tentar fazer uma tradução, pra pintura, do que seriam esses insights que eu tinha. Eu achei que era isso, que a função do meu trabalho, o que eu queria com o meu trabalho é que quando a pessoa olhasse para uma pintura sentisse aquilo que eu sentia quando estava andando na rua, entendeu? Eu queria ser capaz de fazer com que as pessoas tivessem aqueles insights olhando para uma pintura. Me dediquei a isso, achei que o caminho era a simultaneidade, a sincronicidade e o detalhe. Eu era bombardeado por uma quantidade muito grande de informações e não tinha capacidade de suportar, digerir aquelas informações todas, o que me deixava em um estado alterado, meio alucinado. Era como se fosse um efeito químico colateral.
Alexandre Gabriel
Mas no sentido de unidade, tem uma espécie de revelação, em que você junta informação visual com as outras informações.
Luiz Zerbini
É, eu tentava por meio de imagens atingir uma coisa que estava além, ou aquém, não sei, da própria pintura. Fiquei tentando fazer isso durante muito tempo. São aquelas pinturas que vocês viram ali com vários elementos, cheias de detalhes, de coisinhas e tal. Depois de um tempo, descobri que isso não tinha nada a ver com pintura. Quando entrei na faculdade, foi que eu vi que não era porque eu era artista, que qualquer pessoa pode ter insights. Mas, já era um pouco tarde, pintar era o que eu sabia fazer. Eu tive uma crise quando entrei na faculdade, porque o que eu fazia não tinha valor nenhum, não existia nenhum pintor figurativo, ainda mais que pintasse a óleo temas quase surrealistas, foi difícil. Eu nunca tinha ido a uma Bienal na vida, não sabia nada. O que me interessava na arte, na pintura, não era exatamente do universo da pintura. Eram cenas com uma narrativa que, de certa forma, parecia estar mais próxima de uma outra linguagem, como a literatura. Por outro lado, não tinha outra saída senão continuar tentando, agora sem a certeza anterior de que eu era um artista. Demorei muito pra entender isso.
Charles Watson
E em que momento você começa a articular a ideia de que é de fato artista? O que aconteceu quando você veio pro Rio?
Luiz Zerbini
Quando eu me mudei pro Rio, as coisas começaram a dar certo pra mim em São Paulo. A galeria do Thomas Cohn me cedeu um espaço na Rua da Passagem em Botafogo, no Rio de Janeiro, mas minha primeira individual em uma galeria comercial aconteceu no Subdistrito Comercial de Arte, em São Paulo, que era do João Satamini e do Rubem Breitman.
Anna Dantes
Eu não tenho exatamente uma pergunta, e sim uma observação que tem a ver com sua biografia, pois tem a ver com sua obra estendida na linha do tempo. É a partir da edição de seu livro Rasura, e acho que é o que você faz nas pinturas e em todo o seu trabalho. Você falou de literatura e realmente acho que o que você pinta tem muito a ver com o que você escreve. Você fala sobre alguma coisa, em seguida diz que não é só aquela coisa e sim ela e mais outra e daí por diante. Você fez isso na Carta poema resposta para o Waly Salomão – você apresenta sua ideia e segue dissecando, às vezes a nega e às vezes a reconstrói: “[...] não é só o que se vê, é o que se ouve”. Em algum momento, você tem uma opulência de imagens e informações, manifestações, talvez sejam
esses grandes insights, e em outros momentos é como se os desmembrasse. Separa o processo da mesma forma que constrói seus textos. A partir de uma ideia constituída, você se aproxima do detalhe, a boca do Waly e o que sai da boca do Waly... Um frame em câmera lenta
captado e dilatado. Seria legal você falar um pouco disso, sua biografia a partir desses movimentos.
Luiz Zerbini
Do processo, você quer dizer?
Luiza Mello
A partir do que a Anna falou, lembrei de quando o Luiz me apresentou a ideia do livro Rasura, falando da imagem do acervo do MASP que abre o livro, daquele sistema expositivo que a Lina Bo B ardi criou, onde os trabalhos ficavam expostos em vidros pelos quais você via tudo ao mesmo tempo. E ele falava um pouco da relação dessa visão do acervo do MASP com a memória dele. As coisas estão sempre misturadas, juntas, e, ao mesmo tempo, elas fazem sentido e não fazem sentido algum.
Anna Dantes
Elas todas se explicam, mas, quando ele opta por uma explicação dentro do próprio trabalho, ele cria certos enigmas. Se olharmos para sua obra, percebemos que ela é uma coisa só, é integra, mas contém seus próprios fragmentos (ou enigmas) em forma de autocomentários. Embora ele (o Luiz) seja a chave do próprio enigma, ou a obra reunida seja esta chave, estes fragmentos podem apresentá-lo por vezes de forma frágil, pois são sutis e delicados. São frames dilatados... Mas eu não consigo formular uma pergunta objetiva.
Luiz Zerbini
Mas ficou bom. Ficou claro. O nome do livro é Rasura, porque as coisas acontecem no erro.
Alexandre Gabriel
Colocando isso em uma perspectiva dentro da sua carreira, o fazer aos poucos é uma coisa que aparece tanto na pintura como no conjunto da sua obra.
Luiz Zerbini
O processo todo é muito misterioso. Tudo parece metáfora, são explicações, comentários, os textos, isso vai me ajudando, é como se eu estivesse descobrindo aquilo, desde o começo foi assim. Aquela história do tempo, de eu lembrar de uma outra imagem que estava guardada numa gaveta. Eu já contei isso, não? Eu estava fazendo um desenho e lembrei de uma aquarela que eu tinha feito e guardado para aproveitar um dia, em algum outro trabalho. Anos depois, quando estava fazendo um desenho, lembrei dela. Achei a imagem e, enquanto olhava para ela, reparei o papel meio amarelado. A imagem em si não significava nada demais para ter sido guardada, mas eu lembrei dela por algum motivo e pensei: por que eu fui lembrar dessa imagem agora? Fiz uns cálculos e descobri que ela estava guardada havia vinte anos numa gaveta. Eu fiquei muito surpreso de como aquela imagem estava tão fresca na minha memória e por que ela tinha vindo à minha cabeça naquela hora. Isso acontece muito, é como se o tempo ficasse parado, o tempo fica em suspenso no trabalho. Fico tentando entrar nesse estado andando pra lá e pra cá, começo fazendo uma pintura e do nada, de repente, misteriosamente... É igual quando eu escrevo. Eu não sei escrever, nunca aprendi a escrever direito, mas do mesmo jeito que, às vezes, baixa a pintura, eu fico surpreso com o que eu faço, sabe, tem um estranhamento. Eu olho para aquilo e duvido que fui eu quem fiz.
Texto do artista
Texto do artista
Texto do artista
Texto do artista
Charles Watson
Eu vi uma entrevista recentemente do David Bowie em que ele dizia que pintar é muito importante para ele entender o que ele está cantando. Porque pintar e escrever ocupam neurologicamente áreas diferentes do cérebro, palavras e linguagem acontecem em duas áreas, enquanto o processo majoritariamente usado na área da pintura ocorre todo aqui atrás, principalmente do lado direito. Então, de certa maneira, são áreas diferentes onde talvez seja mais fácil ver o que a gente não via, você está entendendo? O ato de escrever pra você tem um papel de esclarecer coisas sobre a pintura nesse sentido, e vice-versa?
Luiz Zerbini
Eu não sei se é propriamente esclarecer. Pensado bem, eu não sei se esclarece ou se acrescenta mais alguma coisa.
Alexandre Gabriel
Formaliza o problema de alguma forma.
Luiz Zerbini
É.
Charles Watson
Você falou em surpresa, e surpresa acontece com uma coisa que a gente não viu antes ou que não esperava, que não fez parte do plano.
Luiz Zerbini
Estou falando em relação à maneira como foi feito, de onde veio. Não se planeja pintura, você pode até planejar, mas não acontece como se planejou.
Anna Dantes
Você acha que o fato de você trazer sua discussão para o trabalho é a forma como você o traz para o mundo contemporâneo?
Luiz Zerbini
Eu não sei se é para o mundo contemporâneo, mas para tentar entender.
Alexandre Gabriel
Uma das formas que você encontrou é não dar pesos diferentes a partes diferentes da produção. Cada detalhe tem a sua importância, o siri não é menos importante que a flor e ao mesmo tempo você produz pinturas figurativas, cheias de detalhes, e outras pretas, monocromáticas, vazias, não existe uma hierarquia.
Luiza Mello
E você sempre escreveu?
Luiz Zerbini
Não. Eu nunca escrevi, sempre me achei péssimo para escrever. Isso aconteceu recentemente e me deixou animado. Fui entrevistado por uma mulher de São Paulo, que tinha como tese na USP escrever um livro sobre homens. Eu dei a entrevista e, quando ela mandou para eu ler, achei horrível e não quis que ela publicasse. Aí o Waly Salomão, que também participou, me ligou e disse: mas, Zerbini, por que não? O que foi que você disse de tão horrível assim? Me mande essa entrevista que eu quero ler! No dia seguinte, ele me liga e diz [imitando Waly]: “Zerbini, eu adorei tudo o que você disse, eu quero ficar seu amigo”. Depois disso, ele passava aqui, que era caminho para o Jardim Botânico, jogava alguma coisa na minha caixa de correio, e assim ficamos amigos. Uns meses depois, a gente se encontrou na aleia do abricó de macaco e ele botou na minha mão assim rindo um papel amassado e falou: “olha, depois você vê, pensa aí e faz um desenho”. E saiu rindo. Eu abri e era uma poesia. Eu olhei praquela poesia e pensei: “como é que eu vou fazer uma ilustração pra uma poesia?”. Eu preguei a poesia na parede e fiquei olhando. Todo dia eu lia e não conseguia fazer nada, não conseguia de jeito nenhum. Depois de três meses, quando eu vi que não ia conseguir, resolvi escrever uma carta pra ele me desculpando e dizendo porque que eu não ia ilustrar. Aí a carta foi ficando boa, comecei a falar de pintura, no fundo o texto era também sobre pintura, sobre isso tudo o que a gente está falando. Mandei pra ele morrendo de vergonha. Aí ele mostrou a carta pra Anna, que também gostou e a gente publicou. Eu resolvi fazer as capas do livro e pintei as trezentas capas à mão.
Livro de Waly Salomão e Luiz Zerbini. Selo Dois Irmãos, uma associação do Garcia e Rodrigues e Dantes Editora, Rio de Janeiro, 2002
Waly Salomão e Luiz Zerbini, 2002
Waly Salomão e Luiz Zerbini, 2002
Livro de Waly Salomão e Luiz Zerbini. Selo Dois Irmãos, uma associação do Garcia e Rodrigues e Dantes Editora, Rio de Janeiro, 2002
Alexandre Gabriel
Tem algum exemplo que tenha sido o contrário, em que você fez uma imagem a partir de um tema, uma imagem ou texto?
Luiz Zerbini
Eu adoro trabalhar com temas, são desafios, no caso do [Gabinete de Curiosidades de Domenico] Vandelli, foi assim e nas ilustrações para a nova tradução do livro Alice no País das Maravilhas, do Lewis Carroll, também. Eu me envolvi de uma maneira tão intensa quanto com as minhas pinturas.
Luiza Mello
Você pensou na Minha última pintura depois de pintar ou você pintou pensando nela como sua última pintura?
Luiz Zerbini
Fui pensando enquanto fazia. Pensei nela como uma pintura definitiva.
Alexandre Gabriel
Que resolvesse esse assunto.
Luiza Mello
Que nunca mais tivesse que ficar pensando em pintura.
Luiz Zerbini
É, que eu não precisasse mais ficar pensando nisso, se ela é figurativa, se ela é contemporânea, como é que é a representação. Uma coisa que unificasse tudo e ponto final, agora eu vou pensar em outra coisa. Eu sempre quis fazer isso, o meu momento máquina.
Anna Dantes
Você acha que sempre fica dialogando com o universo da arte contemporânea e vendo como você está inserido nela? Você fica nessa discussão no próprio trabalho?
Luiz Zerbini
Fico. O trabalho dialoga o tempo todo com o que está acontecendo em volta dele, com os trabalhos de outros artistas, o motor externo.
Alexandre Gabriel
Nesse sentido, concordo com Hermano (Vianna) quando ele fala no final do texto que seu trabalho é zen, é uma atitude zen querer que algo encerre todas as coisas.
Luiz Zerbini
Vocês assistiram a Kung Fu Panda? Sabe aquela hora depois deles passarem o filme todo lutando para saber o grande segredo supremo da vida, que estava escrito no pergaminho sagrado que era guardado pelos samurais do imperador? O Kung Fu Panda abre o pergaminho e não tem nada escrito, ele só vê a cara dele refletida no papel prata. Eu chorei nessa hora. Era um pergaminho reflexivo.
Charles Watson
Em uma colocação atribuída a Nelson Rodrigues, uma jornalista ou alguém fala para ele: “Seu Nelson, o senhor escreve pensando na plateia?”. E ele responde: “Plateia? Oitenta mulheres gordas comendo pipoca? E u escrevo pra Shakespeare!”. Ou seja, quem está olhando sobre seu ombro enquanto está pintando?
Luiz Zerbini
Eu acho que essa pessoa que está olhando por cima do meu ombro é o meu pai, mas não tenho nada contra mulheres gordas comendo pipoca, até simpatizo com elas. Sabe aquilo que a Luiza falou do MASP, de poder ver todos os quadros ao mesmo tempo? Então, aquilo ali é fundamental, não é uma pessoa que está olhando, é meio uma entidade... O tempo... Sei lá. Eu só não digo que é Deus porque eu não acredito em Deus.
Alexandre Gabriel
E as paisagens digitais?
Luiz Zerbini
As paisagens digitais também têm a ver com o MASP. Com a ideia de janelas que vão se abrindo dentro do quadro. A mesma linguagem usada na disposição do acervo é usada nos computadores. Janelas que podem ser vistas simultaneamente. Por outro lado, os gráficos e plug-ins dos programas digitais de edição de música são sempre lindos, são réplicas dos equipamentos, são paisagens em movimento. Olhando para o monitor durante a edição, enquanto as linhas que representam visualmente o som corriam na tela, eu me via num barco na baía de Angra dos Reis voltando pra casa no final de tarde com o sol se pondo. Via montanhas, ondas, planícies.
Luiza Mello
E desenho que não cabia na folha?
Luiz Zerbini
É que eu não consigo enquadrar o desenho no papel quando estou desenhando olhando para uma paisagem. O papel nunca é suficiente. É como se eu não considerasse o papel, o que é um absurdo, não é? Algumas vezes eu começo a fazer um desenho e o papel acaba, chego à borda e tenho que emendar uma outra folha com fita crepe e continuo para o lado. Aí sigo desenhando pra cima e de novo o papel acaba, e eu tenho que emendar outra folha. E aquilo que era pra ser um desenho simples vira um negócio enorme. E pensando nisso percebi que meu desenho não está na superfície do papel. E que existe um enigma: não caber em uma única folha. É que o assunto não cabia ali. Aquela história de a paisagem ser uma janela pro mundo era como se eu tivesse que enfiar a cabeça dentro da janela pra poder olhar para os lados, porque o limite da janela não era suficiente. Sempre tive dificuldades com margens, limites e não caber no papel foi uma revelação de que isso acontecia assim. Isso também explica eu gostar de telas grandes. A tentativa de colocar quem está olhando na mesma escala do que está pintado, de um pra um. Pensar sobre isso tudo me levou a fazer o oposto propositadamente em 1992. Não era mais a quantidade de informações que causava esse estranhamento; fazer uma pintura muito rápida e simples podia causar o mesmo efeito. Foi a época em que eu fiz as aquarelas grandes que começava e acabava no mesmo dia. Eram como se fossem gestos puros, que me levaram a fazer mais tarde, em 1999, a série dos marmorizados, em que era só mergulhar a tela numa piscina de tinta e, quando tirava, a pintura estava pronta, ou não: ou jogava fora, ou era só colocar no chassi. Essa variação foi acontecendo durante o tempo inteiro. Eram ondas de síntese muito simples, minimalista, e o oposto disso é que era uma profusão de coisas.
Alexandre Gabriel
Falando da mesma coisa.
Luiz Zerbini
A sensação que eu tinha era como se fossem fases que vinham em ondas.
Luiza Mello
O fato de você ter começado a escrever depois talvez tenha um pouco a ver com essa história de não caber no papel, você não acha? Porque o texto sobre sua última pintura complementa a pintura, faz parte dela.
Luiz Zerbini
Sim, faz. Eu queria ter escrito o texto atrás da pintura, queria que ele fizesse parte da pintura, mas não achei essa uma solução boa. Eu devia ter escrito na parede da galeria. Eu já pensei várias vezes em escrever atrás das pinturas o nome de todas as pessoas, todo mundo que passou pela minha cabeça enquanto estava fazendo a pintura. São sempre muitos, é como ouvir o que cada um vê no que você fez. É louco. Enquanto um vê Olafur Eliasson e Hélio Oiticica, o outro vê Antonio Peticov e Eduardo Sued.
Charles Watson
Você parece ter conseguido se redefinir constantemente ao longo da sua carreira, apesar de alguns temas recorrentes. Isso tem sido uma preocupação ou fruto natural de uma pessoa curiosa que tem que ir atrás das coisas?
Luiz Zerbini
É fruto natural. Ao mesmo tempo, estou ligado no que acontece ao meu lado. Correr riscos é bom, mas tem o lado ruim, tem consequências.
Charles Watson
Tipo...
Luiz Zerbini
Às vezes, eu fico sem dinheiro.
Charles Watson
Essa questão é interessante, porque todo artista sonha em poder vender seu quadro para pagar o aluguel. Você estar em um constante estado de curiosidade é justamente o que o levou aonde você chegou. As galerias e, eventualmente, um público minimamente esclarecido sobre o trabalho estão familiarizados com ele, apesar de muita gente esperar algo parecido com a última coisa que você mostrou, querendo ouvir a mesma música de 25 anos atrás. Você consegue se lançar com um mínimo de confiança no escuro? O u você fica com medo?
Luiz Zerbini
Eu me lanço diariamente no escuro. Ao mesmo tempo, sempre que a coisa aperta, eu acabo dando um jeito. Há muitos anos atrás, fui ao ateliê do [Joseph] Beuys. Eu estava em Niemburg na casa de um amigo quando vi no jornal uma cena de confronto: ele com estudantes em frente a uma fila de policiais armados de escudos e cassetetes. Esse meu amigo tinha visto uma palestra dele. Eu comentei que gostaria de falar com ele e esse amigo me deu o telefone. No dia seguinte, liguei e o próprio Beuys atendeu, eu falei que era um artista brasileiro, que estava indo para Dusseldorf, que queria encontrar com ele e mostrar meus trabalhos. Aí ele respondeu: “quando você chegar em Dusseldorf, liga de novo”. Eu fui, num frio, cheguei num hotelzinho na beira do rio e liguei. Ele atendeu de novo e eu falei: “sou eu, o brasileiro, tô aqui, como é que eu chego aí?”. Aí ele ficou meio desconfiado: “Você é de onde mesmo?”. Eu respondi: “Do Brasil”. E ele: “O que você está fazendo aqui?”. Aí ficou fazendo umas perguntas, até que, então, falou: “Vem, atravessa o rio”. Eu atravessei e logo do outro lado do rio tinha uma casa. Toquei a campainha, o cara abriu a porta com aquela roupa de Joseph Beuys, aquele colete com o chapéu, camisa branca de manga comprida e calça. Cara, eu fiquei chapado, não acreditei... Por que eu estou falando disso, hein?
Anna Dantes
Continua.
Luiz Zerbini
Aí eu entrei, falei que era artista plástico e queria mostrar uns trabalhos. Ele passou o olho nos trabalhos muito rápido e me devolveu, e perguntou se eu ia ficar na Alemanha. Eu falei que não, aí perguntei quando é que ele ia ao Brasil e ele disse: “Eu nunca vou ao Brasil. Tenho muita coisa pra fazer aqui”. Eu falei que estava procurando alguma coisa pra fazer, se ele podia me ajudar, aí ele falou pra eu voltar pro Brasil o mais rápido possível. Falou que não havia mais nada para se fazer na Alemanha, nem na Europa.
Charles Watson
Quando foi isso?
Luiz Zerbini
Eu sou ruim de data, foi em 1982, pode ser? Então, aí ele falou pra eu voltar ao Brasil. E eu voltei. Enquanto eu estava lá, ele ficou atrás de uma mesa dessas de madeira enorme, de escritório, alemã, daquelas grandonas, atendendo telefonemas. Não tinha nada no ateliê, só um terno de feltro pendurado numa parede. Dali a pouco, entrou um cara com um prato daqueles de bateria, que tem aquela cruz pintada, dentro de uma caixa, e botou do lado dele. Ele perguntou: “Pra onde é isso?”. E assinou o prato. Ele virou pra mim e disse: “Eu preciso de dinheiro pra financiar os meus projetos”. Lembrei porque eu estou contando essa história toda! Joseph Beuys assinou um múltiplo na minha frente, virou pra mim e disse que precisava fazer dinheiro. Isso nunca vai sair da minha cabeça. Quando eu tenho necessidade de fazer um dinheiro, eu faço, sabe? Eu me concentro e faço.
Alexandre Gabriel
Outro dia, em uma conversa, você me falou: “O lance é que eu nunca consegui que dinheiro fosse uma motivação”. E eu achei isso maravilhoso.
Luiz Zerbini
É verdade, dinheiro não é o que me motiva, mas você sabe que na década de 1980 eu tinha o maior orgulho de vender. Eu me achava um cara incrível que vendia tudo, mas eu só vendia tudo porque era muito barato. Vender não tem nada a ver com a qualidade do trabalho.
Luiza Mello
E seu interesse pela filosofia?
Luiz Zerbini
Há uns anos atrás, dentro daquele ciclo de debates organizados pelo Antonio Cicero e pelo Waly Salomão em São Paulo, assisti a uma palestra de um físico alemão em que ele falava sobre a criação do universo, da matéria, essas coisas. Ele falava em alemão e eu com o fone, ouvindo a tradução. Tudo era muito poético, ele dizia que os homens e as estrelas eram feitos da mesma matéria. Em um determinado momento, eu tirei o fone e passei a ouvir em alemão sem entender o que ele dizia. Naquele instante, o que ele falava funcionava como música pra mim. Mesmo sem fazer sentido, o texto pode ser inspirador, pode funcionar como uma música. Eu não entendo nada de filosofia, mas ouvir alguém falando sobre filosofia me ajuda a pensar. Acho que isso é decorrência do longo tempo que eu passei fazendo o livro Rasura, criando relações entre textos e imagens. Por isso que essa exposição do Vandelli que a gente fez no Jardim Botânico e que agora está no Inhotim foi importante: são muitos assuntos interligados, muitos textos, as questões da representação, da história do Brasil e da pintura, quando os artistas eram cientistas e viajantes etc. Fora o nome: “viagens filosóficas”.
Sem título (Turner à Rio) [detalhe], 2008. Acrílica sobre tela. 180 x 250 cm
Sem título (Turner à Rio) [detalhe], 2008. Acrílica sobre tela. 180 x 250 cm
Sem título (Turner à Rio) [detalhe], 2008. Acrílica sobre tela. 180 x 250 cm
Charles Watson
Gostaria de falar sobre a lógica da sua pintura. O que determina o uso da tinta metálica, por exemplo? Isso vem de uma percepção ou é uma decisão estritamente pictórica em que você precisa do metálico?
Luiz Zerbini
É a mistura dos dois. Essa planta embaúba, na natureza, é prateada quando a luz bate. Pintei de metálico por ela aparecer metálica na natureza. E o que acontece? Ela só funciona em áreas onde a luz na paisagem pintada aparece. São zonas de claro e escuro, onde os claros poderiam ser metálicos e os escuros não, as sombras opacas. O ponto de partida é a luz da cena; depois, qual quer critério é valido, respeitando um suposto equilíbrio.
Charles Watson
É estranho, porque não parece que é metálico. É tão opaca a qualidade da folha que a tinta metálica reflete na retina.
Luiz Zerbini
A tinta metálica muda de cor, isso é um problema. Como é que você vai pintar com uma tinta que muda de cor? Você define uma cor e coloca do lado de outra, mas quando a luz bate ela muda completamente. Você tem que considerar essa mudança. Não se pode confiar no que se está vendo. Por isso, o que me guia são as áreas de luz e sombra, mais do que as cores. Cores opacas e brilhantes. Eu não podia colocar aqui uma cor escura metálica. Porque, mesmo sendo escura, por ser metálica, quando a luz bate, ela brilha e fica clara, ela também reflete a luz. Não daria contraste.
Charles Watson
E você consegue abrir mão de alguma coisa que você adora na pintura para não sacrificar o quadro inteiro?
Luiz Zerbini
Eu abro mão de tudo.
Charles Watson
Você tem coragem.
Luiz Zerbini
Não dá para ser pintor se não tiver coragem, porque você abre mão o tempo inteiro de coisas que gosta porque sente a necessidade de ir além, e pra isso acontecer você tem que arriscar. Você para e fala: “Será?”. Porque você pode estragar o quadro, você pode perder o quadro. E não tem volta. Com o tempo, você vai acreditando que pode. Não tem nenhum quadro meu que em algum momento eu não tenha achado que eu o tivesse destruído. Eu pensava que, com os anos, com a experiência, isso ia passar, mas não. Ainda passo por esse sofrimento até hoje, é um exercício de coragem diário. Eu tive umas conversas muito boas com o Rodrigo [Torres], meu assistente. Várias coisas aqui foram pintadas por ele, e a maior dificuldade era fazer com que essas coisas parecessem inseridas na pintura. Não acho que o que ele pintou tem que parecer com o que eu pinto, mas tem que fazer parte da minha pintura. Muitas vezes, o modelo que ele olhava era reproduzido na posição do olhar dele e não se inseria na paisagem. A pintura dele ficava na superfície, na tela, e não na paisagem. Era como se tivesse sido colado, aplicado por cima, e não era por falta de habilidade.
Anna Dantes
Essa você fez olhando para a planta?
Luiz Zerbini
Não, eu fiz sem olhar. E o Rodrigo perguntou: “Como é que você fez sem olhar?”. Eu disse: “Eu já fiz isso muito, eu tenho esse negócio na cabeça, eu sei como ela é. Você está olhando como ela é, mas ela é assim desse ponto de vista, ela não pode estar no quadro do jeito que você está vendo. Ela tem que estar como se tivesse que nascer dentro do quadro”. Eu falava pra ele: “Você tem que ver: se você fez a folha de uma planta e se ela veio por aqui, pra onde ela iria depois? Não é pra onde você quer que ela vá. É pra onde a planta iria. E aí isso vai fazendo ela ir pra uns lugares inesperados, porque ela pode querer crescer e apagar alguma coisa que você tinha gostado. A planta quis ir pra lá. E, se ela quis, você é obrigado a deixar, né? Pra pintar uma planta, você tem que se transformar numa planta”. Era engraçado, ele ria. As conversas eram loucas. Nessa mesma semana, o Tiago [Carneiro da Cunha] apareceu no ateliê pra ver os trabalhos e falou que o que ele não gostava na pintura era quando dava pra notar que tinha sido tirada de alguma fotografia. Então, eu perguntei: “Mas onde você está vendo isso?”. E ele apontou para o tronco de uma palmeira que tinha sido feito todo de memória. À noite, quando eu ia pra casa, ficava pensado nas conversas com o Rodrigo e nessas coisas que aconteciam no ateliê. E, pensando em uma resposta pro Tiago, cheguei à conclusão de que, quando se olha para uma coisa, você tem que esquecer o que ela é e, ao mesmo tempo, enxergar o interior dessa coisa. Entender a sua estrutura molecular, do que ela é feita. É preciso ter criptonita no olhar. Isso não tem nada a ver com hiper-realismo, porque não se limita à tela. Isso tem a ver com como você entende o mundo, a natureza, tudo.
CRONOLOGIA
Organizada por Débora Monnerat, Luiza Mello e Luiz Zerbini
1959
Nasce em São Paulo.
1973
Começa a ter aulas de pintura com José Antônio Van Acker e de fotografia com Carlos Moreira. Nos finais de semana, viaja para Massaguaçu, litoral de São Paulo. Lá, conhece o artista plástico Dudi Maia Rosa, Gilda e João Voght.
1975
Viaja para Laguna, Santa Catarina, onde mora por um ano. Durante este período, surfa em Imbituba, Farol de Santa Marta e Praia da Guarda do Embaú, que se tornam paisagens recorrentes em sua obra até hoje.
1978
Ingressa no curso de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo. Neste período, tem síndrome de pânico. Conhece o artista plástico Leonilson, de quem fica amigo. Tem aulas com os artistas plásticos Julio Plaza, então diretor da FAAP, Donato Chiarelli, Nelson Leirner e Regina Silveira. Passa a frequentar as bibliotecas do Museu de Arte de São Paulo (MASP), Museu Lasar Segall, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e Museu da Imagem e do Som, onde assiste a Matou a família e foi ao cinema, de Julio Bressane, na Mostra Cinema Novo.
1979
Neste ano, Julio P laza funda o Centro de Artes Visuais Aster, em São Paulo, com Donato Ferrari, Regina Silveira e o crítico de arte Walter Zanini. Zerbini matricula-se
na escola e frequenta o curso de aquarela ministrado por Dudi Maia Rosa na mesma turma da artista plástica Jac Leirner e de Leonilson. Com este último, passa a dividir um ateliê no bairro da Previdência. De noite, estuda na FAAP. Permanece
na Aster por cerca de dois anos.
1980
Zerbini e Leonilson realizam a primeira exposição individual de ambos, apresentando aquarelas e desenhos na Galeria do Teatro Lira Paulistana, em São Paulo. No teatro, são apresentados shows de Itamar Assumpção e performances
de Arnaldo Antunes e Go, entre outros.
1981
Em São Paulo, Zerbini e Leonilson conhecem os atores Evandro Mesquita e Patrícia Travassos, integrantes do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone. Ao saber que os dois são artistas plásticos, Mesquita convida-os para desenhar o cenário da peça Aquela coisa toda, cuja estreia ocorreria no Teatro Cacilda Becker. Sobre este encontro, constam relatos de Zerbini e de Mesquita no livro sobre o grupo, de autoria da escritora e pesquisadora Heloisa Buarque de Hollanda. Sobre o cenário, Mesquita comenta: “O fundo do teatro era preto, as paredes eram pretas, não tinha cenário. O Hamilton então pediu que eles desenhassem os meios de transporte, trem, caminhão, cavalo, carroça, e deixamos eles lá porque tínhamos que distribuir filipetas. Quando a gente voltou, às oito horas, o palco tinha virado uma capela sistina”.
Zerbini torna-se amigo dos integrantes do Asdrúbal, do qual também fazem parte, neste momento, os atores Luiz Fernando Guimarães, Perfeito Fortuna e Regina
Casé, além do diretor Hamilton Vaz Pereira. Neste ano, tranca a faculdade pela segunda vez e viaja para a Praia da Guarda do Embaú, Santa Catarina, onde permanece por quatro meses. Depois, retorna a São Paulo às aulas na FAAP.
1982
Abandona o curso da FAAP faltando um semestre para o seu término. Mora, durante cerca de três meses, em Madri, Espanha, participando de uma residência na Casa do Brasil. Realiza exposição individual na galeria da instituição, na qual
apresenta desenhos, fotografias e pinturas. Em Madri, tem o primeiro contato com as obras dos artistas plásticos Joseph Beuys e Blink Palermo. Neste período, viaja para Portugal, Espanha, França e segue sozinho para Niemburg, no interior
da Alemanha. Em seguida, viaja a Dusseldorf, para encontrar Joseph Beuys, que o
aconselha a voltar ao Brasil. Segue viagem de volta ao Brasil, passando
pelo México para ver os murais de Diego Rivera, no Palácio Nacional da Cidade do México. Inicialmente, a volta incluía passagens pela América Central, Guianas, Amazônia e Rio São Francisco, mas um acidente o faz retornar ao Brasil, antes do previsto.
Sobre este episódio, Zerbini conta: “Eu e o Gabriel pegamos um ônibus para o interior do sul do México em direção à Península de Yucatã. O ponto final era no meio do nada, onde havia só uma pequena venda; fomos procurar um lugar para dormir. Deixei o Gabriel tomando conta das nossas coisas, nadei até o outro lado de um rio e segui por uma trilha em direção a uma aldeia que aparecia no mapa. Depois de uns quinze minutos de caminhada pela trilha, pisei em alguma coisa que entrou no meu pé e caí. Imediatamente, anoiteceu e me vi sozinho, sem poder andar. Um índio que passou por mim a cavalo me aconselhou a queimar com pólvora e seguiu viagem. Depois de mais um tempo sozinho, orientado pela luz da lua cheia que iluminava a trilha de areia branca, segui pulando em uma perna só até o lugar onde o Gabriel estava na outra margem do rio”.
No dia seguinte, Zerbini é levado até a cidade mais próxima e, após uma operação malsucedida, na Cruz Hoja de S an Andre de Tuxtla, e uma semana de cama em um hotel da cidade, ele chega ao Brasil, onde é imediatamente internado e operado para extração do espinho de um cacto alucinógeno da sola do pé.
1983
Conhece os artistas Leda Catunda, Sergio Romagnolo, Ciro Cozzolino e o fotógrafo Eduardo Brandão. Passa a frequentar o ateliê deles e volta a pintar, agora em grandes formatos. O Asdrúbal estreia a peça A farra da Terra, no Teatro SESC Pompeia, São Paulo. Zerbini atua e faz parte do grupo de criação da cenografia e de objetos de cena. O espetáculo fica em cartaz durante esse ano e parte do seguinte, com temporadas em São Paulo e no Rio Janeiro, sendo apresentado, também, em várias cidades do Brasil. Muda-se para o Rio de Janeiro.
Participa, com Regina Casé, de algumas leituras de novelas radiofônicas de autoria do escritor e compositor Fausto Fawcett, que acontecem no Mistura Fina. Neste ano, conhece o artista plástico Barrão e o editor de cinema e videomaker Sergio Mekler, com os quais desenvolverá parceiras em muitos trabalhos nos anos seguintes.
1984
Em março, ocorre a última apresentação da peça A farra da Terra, no Teatro da P az, Belém, e é também a última apresentação do Asdrúbral. Em julho, a exposição Como Vai Você, Geração 80? é inaugurada na Escola de Artes Visuais do Parque
Lage (EAV-Parque Lage), Rio de Janeiro. Organizada por Marcus de Lontra Costa, crítico de arte e diretor da instituição, e por Paulo Roberto Leal, artista plástico, a exposição reúne trabalhos de 123 artistas, entre eles Zerbini.
1985
Monta ateliê na Rua da Passagem, Rio de Janeiro, em um espaço cedido pelo galerista Thomas Cohn. Participa de mostras coletivas e realiza, em novembro, a sua primeira exposição individual em São Paulo, no Subdistrito Comercial de Arte. Sobre as obras expostas, o artista plástico Marco Veloso escreve artigo na revista Galeria (n. 27), no qual declara:
“Essas telas fazem mais do que representar paisagens. Estão mais próximas do confim. O comum de um duplo pertencimento, ao artista e à natureza. O s vasos, os terraços, as plantas, os pássaros... De um lado, o que vai da Terra em direção
ao céu (o chão, o relevo, as nuvens, os pássaros, o azul, melhor, o branco, quase o azul). De outro, a pesquisa e a busca da técnica adequada, o avesso da arte, os obstáculos, os pequenos defeitos e a superação possível de tudo isso”.
Nesse ano, realiza a cenografia da peça Olhos ardentes, dirigida por Hamilton
Vaz Pereira, no Rio de Janeiro.
1986
Participa como ator das gravações do filme O cinema falado, que tem roteiro e direção do cantor e compositor Caetano Veloso. Viaja ao México, onde participa
da mostra El Escrete Volador, em Guadalajara, que integra a programação de eventos realizados na cidade pela equipe do Circo Voador, durante a Copa do Mundo. A mostra apresenta obras de Zerbini e dos artistas plásticos André Costa, Barrão, Daniel Senise, Leda Catunda, Leonilson, Luiz Pizarro, Ricardo Basbaum e Sergio Romagnolo. Participa da exposição A Nova Dimensão do Objeto, com curadoria da crítica de arte Aracy do Amaral, no Museu de Arte Contemporânea
da Universidade de São Paulo.
Ganha o Prêmio Referência Especial na votação popular promovida pela Associação de Artistas Plásticos Profissionais do Rio, com a obra A piscina, por ocasião do VII Salão Nacional de Artes Plásticas, realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ).
1987
Participa da 19a Bienal Internacional de São Paulo, que tem curadoria da crítica de arte Sheila Leirner, apresentando a instalação Tempestade em copo d’água e duas telas de grandes formatos, entre elas A tragédia é um acúmulo de mal-entendidos. Ainda nesse ano, em parceria com Barrão, cria a capa do disco Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros, o primeiro do compositor.
1988
Em maio, inaugura a exposição Coletiva na Subdistrito Comercial de Arte, São Paulo, onde apresenta telas, ampliações fotográficas com intervenções e esculturas. Em julho, a mostra é inaugurada na EAV-Parque Lage, Rio de Janeiro, tornando-se a sua primeira individual na cidade. Realiza, em parceria com o artista plástico Guto Lacaz, o cenário da primeira montagem da peça Nardja Zulpério, escrita e dirigida por Hamilton Vaz Pereira e encenada por Regina Casé. A peça estreia em outubro, no Aeroanta, São Paulo, e fica por alguns meses em cartaz. A reestreia ocorre no ano seguinte, com Zerbini sendo responsável pela cenografia do espetáculo, que se mantém em cartaz durante os próximos cinco anos, sendo apresentado em várias cidades do Brasil.
1989
Zerbini, Daniel Senise, Fabio Cardoso e Leonilson inauguram exposição coletiva no Museu de Arte de São Paulo (MASP), que tem curadoria do jornalista e colecionador João Pedrosa. Nesse ano, também participa da exposição Canale, Fonseca, Milhazes, Pizarro, Zerbini, no Museu Municipal de Arte de Curitiba, Paraná, que, posteriormente, é apresentada no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MACUSP) e na Funarte, Rio de Janeiro. Nasce sua primeira filha, Benedita Casé Zerbini.
1990
Viaja para Colônia, Alemanha, para participar da feira de arte da cidade, sendo representado pela Subdistrito Comercial de Arte.
1991
Participa de mostra coletiva no Liljevalchs Konsthall, Estocolmo, Suécia.
Em junho, realiza exposição individual na Subdistrito Comercial de Arte, São Paulo, na qual apresenta trabalhos novos que têm como tema o cotidiano em sua casa. Zerbini pinta paisagens e naturezas-mortas de grandes dimensões, utilizando tinta acrílica diluída, o que confere às telas a aparência de aquarela. Nesse mês, também participa da mostra Mito y Magia en América: Los Ochenta, que marca a inauguração do Museo de Arte Contemporáneo de Monterrey, México. A mostra BR /80 – Pintura Brasil Década 80 é inaugurada na Casa França-Brasil, Rio de Janeiro, com curadoria do crítico de arte Frederico Morais. A exposição apresenta obras de Zerbini e dos artistas plásticos Beatriz Milhazes, Chico Cunha, Cristina Canale, Daniel Senise, Jorge Duarte, Jorge Guinle e Victor Arruda.
1992
Inaugura, em maio, uma exposição na galeria Thomas Cohn Arte Contemporânea,
Rio de Janeiro. Realiza, em parceria com Barrão, o cenário e direção de arte do show Santa Clara Poltergeist, de Fausto Fawcett, apresentado na Magnetoscópio,
Rio de Janeiro.
Participa da mostra As Artes do Poder, no Paço Imperial, R io de Janeiro. Zerbini e os artistas Alexandre da Costa, Barrão, Caetano de Almeida, Marcos André e Miguel Rio Branco criam obras especialmente para um dos módulos da mostra. Em setembro, ocorre o 9º Festival Internacional Videobrasil, realizado no SESC Pompeia, São Paulo, com curadoria geral de Solange Farkas. Zerbini é um dos artistas convidados pela curadora Rosely Nakagawa a participar da mostra Impulsos Eletrônicos. No festival, também é apresentada a performance Santa Clara Poltergeist.
Participa de exposições coletivas na Annina Nosey Gallery, Nova Iorque, EUA, no Centro Cultural São Paulo, na Subdistrito Comercial de Arte, e da mostra Eco Arte, no MAM-RJ. Apresenta, a convite de Marcello Dantas, a instalação Acelera Deus, realizada em parceria com Barrão, no Museu da República, Rio de Janeiro.
1993
Participa, com Adriana Varejão, Edgar de Souza e Leda Catunda, da mostra Río a R ío: Cuatro Artistas Brasileños de la Galeria Thomas Cohn, realizada na Galería OMR, Cidade do México. O crítico de arte Paulo Herkenhoff escreve texto para o catálogo da exposição. Realiza exposição individual na Galeria Camargo Vilaça, São Paulo, na qual apresenta 23 obras. O catálogo da mostra apresenta o texto “Do êxtase do olhar à memória das sensações: simulacro e emoção”, do crítico de arte Marcio Doctors, no qual ele escreve:
“Luiz Z erbini não é um pintor de paisagens ou de naturezas-mortas. É um artista da memória das sensações. Usa a memória como unidade mínima a partir da qual plasticamente reconstrói o universo das emoções. É como se a memória fosse uma partícula atômica, que cada um de nós traz dentro de si, e que contém o todo das sensações. Só que não é mais possível acionar a emoção de maneira direta. É preciso produzir deslocamentos (técnicas de despistamento) para, ao enganar os sentidos, ativar a memória e preservar a emoção”.
Participa da mostra Brasil Hoy, na Valenzuela & Klenner Galeria, Bogotá, Colômbia. É um dos seis artistas convidados a realizar a curadoria da mostra Guignard: A Escolha do Artista, no Paço Imperial, Rio de Janeiro. Participa da exposição O Papel
do Rio, no Paço Imperial, Rio de Janeiro. N o mês seguinte, participa da mostra Between Urban and N ature – Brazilian Art Today, no Fujita Vente Museum, Tóquio,
Japão.
Em dezembro, a mostra Brazil – Images of the 80’s & 90’s, que inaugura no Art Museum of the Americas, em Washington, D .C., EUA, apresenta a obra O Hamlet contemporâneo não segura a caveirinha não, de autoria do artista, que faz parte da coleção Gilberto Chateaubriand/MAM-RJ. N o ano seguinte, em abril, a mostra é apresentada no MAM-RJ.
1994
O texto “Os impulsos de Luiz Z erbini”, do antropólogo e pesquisador musical Hermano Vianna, é publicado na edição 18 da revista Arte Internacional, do Museo de Arte Moderno de Bogotá, Colômbia. Participa da mostra Bienal Brasil Século XX, promovida pela 22ª Bienal Internacional de São Paulo, no prédio da Fundação Bienal. O artista apresenta obras no núcleo A Atualidade (1980 aos Nossos Dias), que tem curadoria do crítico de arte Agnaldo Farias. Inaugura mostra individual na galeria Thomas Cohn Arte Contemporânea, Rio de Janeiro. Participa da mostra The Exchange Show: Twelve Painters from San Francisco and Rio de Janeiro, no Yerba Buena Center of Arts, Califórnia, EU A. A exposição também apresenta obras dos artistas plásticos Beatriz Milhazes, Chico Cunha, Cristina Canale e Victor Arruda, além de seis artistas norteamericanos. Em outubro, a mostra é inaugurada no MAM-RJ. Neste ano, também apresenta obras na mostra Marinhas Marinhas, na Galeria Nara Roesler, São Paulo.
1995
Inaugura exposição individual no Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador. Apresenta exposição, durante uma semana, no projeto Summer Fling, realizado na Basilico Fine Arts, Nova Iorque, EUA. A obra O Hamlet contemporâneo não segura a caveirinha não é apresentada na exposição Anos 80: O Palco da Diversidade, que expõe obras da coleção Gilberto Chateaubriand/MAM-RJ, na Galeria de Arte do
SESI , São Paulo. Zerbini inaugura exposição individual na Galeria Camargo Vilaça, São Paulo, onde apresenta sete pinturas que retratam alguns de seus amigos: Sergio Mekler e os artistas plásticos Angelo Venosa, Barrão e Beatriz Milhazes. Também são expostas a tela A ilha, em que o próprio artista é retratado, e Electric Ladyland, que apresenta a capa do disco homônimo de Jimi Hendrix.
O poeta Chacal, organizador do CEP 20.000 – Centro de Experimentação
Poética, convida Barrão, Zerbini e Sergio Mekler para se apresentarem como uma banda. Tem início assim o grupo Chelpa Ferro, que é integrado, em seguida, pelo produtor musical Chico Neves. Deste primeiro show, no Rio de Janeiro, também participam o artista plástico André Costa e mais dez guitarristas convidados. Ainda nesse ano, Zerbini recebe o Prêmio de Melhor Pintor do Ano, referente às obras expostas na mostra realizada na Galeria Camargo Vilaça. A premiação é promovida pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA).
1996
Realiza exposição individual no Paço Imperial, Rio de Janeiro, e participa da V Bienal Internacional de Cuenca, Equador. Tem obras de sua autoria apresentadas em exposição coletiva na Galeria Camargo Vilaça, São Paulo, e nas mostras Arte Contemporânea Brasileira na Coleção João Sattamini, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, e Novas Aquisições – Coleção Gilberto Chateaubriand,
no MAM-RJ.
1997
Em fevereiro, participa da mostra Siete Artistas Brasileños, na La Galería, Quito, Equador, que apresenta as obras de artistas brasileiros que participaram da V Bienal Internacional de Cuenca. O grupo Chelpa Ferro apresenta a sua primeira exposição individual, no Paço Imperial, Rio de Janeiro. Na inauguração, ocorre o lançamento
do primeiro CD do grupo. Realiza exposição individual no Museu Tambo Quirquincho, La Paz, a convite da Embaixada do Brasil na Bolívia. E m novembro, é lançado o CD Livro, de Caetano Veloso. A capa e a embalagem do CD apresentam pinturas de Zerbini. O artista também assina o projeto gráfico em parceria com Barrão e a designer Fernanda Villa-Lobos. Participa de exposições coletivas no Tepper Takayama Fine Arts, Boston, EUA, e no Museu de Arte Contemporáneo de Monterrey, México.
1998
Inaugura duas exposições individuais com retratos de amigos, no Paço Imperial e na Galeria Ana Maria Niemeyer, Rio de Janeiro. Tem obra de sua autoria exposta na mostra Der Brasilianische Blick / U m Olhar Brasileiro – Coleção Gilberto Chateaubriand/MAM-RJ, apresentada no Haus der Kulturen der Welt, Berlim, e, em seguida, no Ludwig F orum für Internationale Kunst, Aachen, e no Kunstmuseum Heidenheim, Alemanha.
Realiza, com o Chelpa Ferro, a performance O gabinete de Chico, no XIIF estival Videobrasil Internacional de Arte Eletrônica, SESC Vila Mariana, São Paulo. Nesta apresentação, o Chelpa é acompanhado dos músicos Carlos Laufer, Dado Villa-Lobos, Kassin e do artista plástico Joshua Callaghan. O Chelpa apresenta-se ainda na festa Quinta dos Infernos, organizada por Carlos Laufer, Chacal, a DJ Gabriela Varanda, Fausto Fawcett, o guitarrista Mimi L essa e o designer e ilustrador Marcus Wagner, na Galeria Alaska, Rio de Janeiro. O grupo também cria a trilha sonora do vídeo Carlos Nader, que tem direção e fotografia do próprio Carlos Nader, e recebe prêmio no 4º MTV Video Music Brasil pelo uso de linguagem inovadora com o clip Rabo Rato dirigido por Carlos Nader e Fábio Soares, em parceria com o Chelpa.
1999
Inaugura a exposição Pedra Não É Gente Ainda, na Galeria Camargo Vilaça, São Paulo, na qual apresenta pinturas inéditas em que utiliza a técnica chinesa de marmorização. Em novembro, é inaugurada a II Bienal do Mercosul, Porto Alegre, na qual Zerbini apresenta a escultura idbi e as fotografias Orelha, Nenê e Chupeta.
2000
Realiza exposição individual que inaugura a galeria Laura Marsiaj Arte Contemporânea, Rio de Janeiro. No catálogo, é publicado o texto “Luiz Z erbini: imagens da imagem”, de autoria do crítico de arte Fernando Cocchiarale, que escreve:
“Há, portanto, nestes trabalhos de Luiz Zerbini, uma profícua celebração da aparência e de suas transmutações no universo da imagem. Nos auto-retratos, do molde ao busto, das fotos à sua manipulação pelo computador, entre meios convencionais ou tecnológicos e os títulos deliberadamente estranhos, desliza uma identidade em trânsito. A insistente descaracterização de sua própria imagem, ao ponto de neutralizar a verossimilhança entre as fotos digitais e o modelo inicial, criando objetos que evocam novos títulos (Orelha, Chupeta e Nenê, entre outros), revela a identidade fragmentária de um sujeito-artista que só se totaliza no exercício do próprio trabalho”.
Zerbini participa da Mostra do Redescobrimento – Brasil + 500, no prédio da Fundação Bienal, São Paulo, e da exposição Novas Aquisições 1998-2000, no MAM-RJ, que apresenta a obra Barrão, de sua autoria. O artista inaugura exposição individual na Galeria de Arte Marina Potrich, Goiânia, na qual apresenta trabalhos realizados com a técnica de marmorização chinesa. N o folder da mostra, é publicado o texto “A perversidade de Zerbini”, de autoria de Sergio Romagnolo. Realiza, com o Chelpa Ferro, o show A Garagem do Gabinete de Chico, na inauguração do Espaço AGORA/CAPACETE , criado pelos artistas plásticos Eduardo Coimbra, Helmut Batista, Raul Mourão e Ricardo Basbaum, na Lapa, Rio de Janeiro.Participa da VII Bienal de Havana, Cuba, cujo tema é Mais Perto Um do Outro.
2001
Realiza exposição individual na Galerie J. Rabouan Moussion, Paris, França. Com o Chelpa, realiza os shows de abertura do evento multimídia Free Zone, que tem curadoria de Chacal e de Raul Mourão, nas cidades do Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo. Também fazem o show de inauguração da mostra Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), e o show Adoração do Bezerro, no Cine Odeon, Rio de Janeiro.
2002
Participa da mostra Paralela, organizada pelas galerias Brito Cimino, Casa Triângulo, Fortes Vilaça e Luisa Strina, em um galpão na cidade de São Paulo. O Chelpa Ferro
participa da 25ª Bienal de São Paulo, na qual realiza a performance Autobang durante a inauguração da mostra. O grupo também participa da exposição Love’s House, no hotel de mesmo nome, no Rio de Janeiro. Tem obras expostas na mostra
Caminhos do Contemporâneo – 1952-2002, no Paço Imperial, Rio de Janeiro.
Em setembro, Zerbini e o Chelpa Ferro participam da mostra poT, que integra a segunda edição da Liverpool Biennial of Contemporary Art, Inglaterra. No mês seguinte, o artista inaugura individual na Galeria Fortes Vilaça, São Paulo, na qual
apresenta pinturas, entre elas a tela Eu e Mini no universo, sob os efeitos narcóticos do amor. Zerbini é convidado, pelo poeta Waly Salomão, a criar um desenho para o poema “A vida é paródia da arte”. O artista escreve uma carta poema em resposta ao pedido do poeta, na qual descreve o desenho que fará para a poesia do amigo. Ambos os textos integram uma publicação com tiragem de 300 exemplares, que têm capas pintadas por Zerbini. O lançamento ocorre em novembro, na Dantes Livraria, Rio de Janeiro.
2003
Zerbini participa da exposição 2080, no MAM-SP , com curadoria do crítico de arte Felipe Chaimovich. É publicado artigo do crítico de arte Adriano Pedrosa na revista
Frieze: Contemporary Art and Culture, no qual ele escreve sobre a exposição realizada por Zerbini na Galeria Fortes Vilaça, no ano anterior. O artista participa da coletiva ArteFoto, com curadoria da crítica de arte Ligia Canongia, no Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília. A mostra integra o evento Foto Arte 2003. O Chelpa Ferro inaugura a exposição HUM , no MAM-RJ. N o mês seguinte, Zerbini participa da mostra A Nova Geometria, com curadoria de Adriano Pedrosa, realizada na Galeria Fortes Vilaça, São Paulo, e o Chelpa expõe na VIII Bienal de
Havana, Cuba. Também realiza, com o Chelpa Ferro, o show Som, na Fundição
Progresso, Rio de Janeiro, e as trilhas sonoras do documentário És tu, Brasil, dirigido por Murilo Salles; e participa do show-palestra Hamlet Contemporâneo, Crônica de um Mundo aos Pedaços, de Fausto Fawcett, na Dantes Livraria, Rio de Janeiro.
2004
Tem obras de sua autoria expostas em duas mostras no Rio de Janeiro: Onde Está Você, Geração 80?, no Centro Cultural Banco do Brasil, e Arte Contemporânea Brasileira nas Coleções do Rio, no M AM-RJ. Esta última tem curadoria de Fernando Cocchiarale e do artista plástico, produtor e professor Franz Manata. Participa da exposição Natureza Morta, na Galeria de Arte do SESI , São Paulo, com curadoria da jornalista, escritora e professora Kátia Canton. A mostra é realizada junto com a exposição Still Life, que apresenta obras de artistas britânicos e tem curadoria de Ann Gallagher. A partir de novembro, as duas exposições são apresentadas no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC).
O Chelpa Ferro participa da 26ª Bienal de São Paulo, apresentando a instalação Nadabrahma. No mesmo mês, Zerbini expõe obras, individualmente e com o Chelpa Ferro, na mostra Paralela, que tem concepção e curadoria do crítico de
arte Moacir dos Anjos. Em outubro, Zerbini inaugura exposição na galeria Laura Marsiaj Arte Contemporânea, Rio de Janeiro. A crítica de arte Ligia Canongia escreve texto sobre a mostra, em que declara:
“No fundo, a obra recente de Luiz Zerbini não destoa de fato da produção inicial de sua carreira, e continua sintonizada com as questões da arquitetura e da paisagem. Se, no começo, o artista figurava situações reconhecíveis desses temas, agora opera com maior sofisticação, tendo como coordenadas a vertical e a horizontal, e criando, a partir delas, questões óticas mais perspicazes. Da mesma forma, podemos dizer que, apesar das matérias frias e do comportamento retilíneo das construções atuais, nossa percepção ainda passa pelo filtro sensorial, o mesmo exigido pelas superfícies pictóricas anteriores. Só que agora, ao invés da turbulência imediata da tinta e das figuras, as sensações são mediadas por um espaço reflexivo, em síntese madura, que se entrega no silêncio”.
Sobre a exposição, o crítico de arte Luiz Camillo Osorio escreve o texto “Vitalidade sobre a paisagem”, publicado no Segundo Caderno do jornal O Globo, no qual declara:
“Os cinco trabalhos expostos na galeria, que, com alguma liberdade frente às convenções acadêmicas, podemos chamar de pinturas, lidam com a paisagem carioca. Ou melhor, lidam com a experiência da paisagem e sua vocação contemplativa, uma vez que se trata de uma paisagem alinhada ao horizonte aberto
que acompanha a cidade e a praia. Mas se trata de uma paisagem inserida na cidade, é uma praia que está colada ao asfalto, ao trânsito, ao barulho, à vida cosmopolita.
Isso interfere na paisagem, na experiência dela e no modo como é tratada pelo artista. Os vários tipos de material utilizados, como a luz, o acrílico, o vidro, o metal, a madeira, e mais as tintas, dão aos trabalhos uma vitalidade particular, exigindo do espectador um olhar mais ágil do que o comum. [...] Falar da experiência e não da
paisagem em si implica em retirarmos qualquer teor temático destas obras e sublinhar uma preocupação em transformá-la, a paisagem, em forma plástica. Ela não é representada na tela, mas vivida enquanto pintura, sentida através de uma
outra materialidade e assim reinventada como sensação”.
2005
Zerbini apresenta-se com o Chelpa Ferro no The MaerzMusik Festival 2005, no Haus der Berliner Festspiele, Berlim, Alemanha. No mês seguinte, o Chelpa Ferro realiza a exposição Estabilidade Provisória, que integra o Projeto Respiração, com curadoria de Marcio Doctors, na Fundação Eva Klabin, Rio de Janeiro. Tem obra de sua autoria apresentada na mostra Novas Aquisições – Coleção Gilberto Chateaubriand, no MAM-RJ.
No mês de junho, é inaugurada a 51ª Bienal de Veneza, Itália, da qual o Chelpa Ferro e o artista Caio Reisewitz participam como representantes do Brasil. Em agosto, Zerbini realiza exposição individual no Espaço Maria Bonita, São Paulo, com curadoria de Evangelina Seiler. Cria o troféu do 15º F estival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil, realizado, em setembro, no SESC Pompeia, São Paulo. A peça inspira-se na obra Atlântico. O Chelpa Ferro apresenta show nesta edição do festival e inaugura exposição individual, no mesmo mês, na Galeria Vermelho, São Paulo. Zerbini participa da exposição Erótica – Os Sentidos na Arte, com curadoria do crítico de arte Tadeu Chiarelli. E m fevereiro do ano seguinte, a exposição é apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro. Realiza exposição individual na Galeria Filomena Soares, Lisboa, Portugal. Nasce sua segunda filha, Rita Kerti Zerbini.
2006
É inaugurada a mostra Do Corpo à Paisagem, no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, que reúne exposições individuais de Zerbini e dos artistas plásticos Marcos Paulo Rolla e Rafael Assef, com curadoria de Agnaldo Farias. Em setembro, o artista lança na EAV-Parque Lage, Rio de Janeiro, o livro Rasura, publicado pela editora
Cosac Naify. Sobre a ideia do livro, Zerbini escreve:
“[...] estava trabalhando num estudo para uma tela grande, quando lembrei de uma imagem, uma aquarela que eu tinha feito e guardado. Fui procurá-la em uma gaveta pra ver se poderia aproveitá-la no desenho. Olhando para o papel tentando entender porque lembrei daquela imagem, percebi que o papel estava amarelado e com fungos. Aquele desenho devia estar guardado há bastante tempo. Vinte anos foi o resultado da conta. Aquele desenho estava guardado numa gaveta há 20 anos e, quando precisei, ele apareceu como se tivesse sido feito no dia anterior.
Como ele poderia estar tão vivo na minha memória, que é ruim, por tanto tempo? Tinha nas mãos uma prova de que o tempo é relativo, que na memória tudo é presente. O passado e o futuro. O tempo não é linear. Lembrei do MASP , o primeiro museu em que entrei na vida. O acervo do M ASP era exposto sobre painéis verticais de vidro transparente numa imensa sala onde se via simultaneamente um século de história da arte de uma só vez. Sinto uma identificação profunda com essa maneira de entender o tempo.
Essa ficou sendo a primeira imagem do livro, o acervo do MASP (como
foi idealizado por Lina Bo Bardi), a introdução do assunto principal do livro, o tempo. Voltei então à gaveta e vi que tinha guardado durante muitos anos imagens, pequenos textos e anotações, e que havia um sentido muito claro nessas escolhas, embora subjetivo. Era possível visualizar o raciocínio usado na composição das pinturas pela relação entre as imagens arquivadas. Achei que ali estava de maneira compreensível um método de criação que daria o livro que eu gostaria de fazer. Levei a ideia para o Charles Cosac, que inaugurava a editora e quase dez anos depois consegui finalizar o projeto e publicá-lo.
Fazendo o livro, eu tive a oportunidade de repensar toda a minha obra. A ideia recorrente de relacionar, criar diálogos entre imagens, que já era uma constante nas minhas exposições desde os anos 80, ficou clara para mim dali em diante”.
Participa da mostra Paralela 2006, com curadoria da crítica de arte Vitória Daniela Bousso, que ocorre concomitantemente à 26ª Bienal de São Paulo. No mesmo mês, participa, com o Chelpa Ferro, das mostras Geração da Virada, 10+1: Os Anos Recentes da Arte Brasileira, com curadoria de Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, e do CEP 20.000, Rio de Janeiro. O grupo também tem obra de sua autoria apresentada na mostra MAM na Oca, realizada
pelo MAM-SP, na Oca – Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, Parque do Ibirapuera, São Paulo. O Chelpa apresenta a mostra Jungle Jam, na FACT (Foundation for Art and Creative Technology), Liverpool, Inglaterra.
2007
Zerbini inaugura a exposição Trepanações e Outros Artifícios, na Galeria Fortes Vilaça, São Paulo, na qual apresenta seis obras, entre elas a tela Minha última pintura. No mês seguinte, participa da mostra 80 / 90 – Modernos, Pós-Modernos Etc, com curadoria de Agnaldo Farias, no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo. O Chelpa Ferro participa das mostras Bienal de São Paulo-Valencia, Valência, Espanha; Comunismo da Forma: Som + Imagem + Tempo – A Estratégia do Vídeo Musical, na Galeria Vermelho, São Paulo; e Contraditório / Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Realiza a exposição On Off Poltergeist, na Meskalito Gallery, Londres, Inglaterra.
2008
O Chelpa Ferro participa do Netmage 08, International Live-media Festival, Bologna, Itália, e inaugura a exposição Jungle Jam na Caixa Cultural, Rio de Janeiro. E m julho, a mostra é inaugurada no MAMBahia, onde começa a ser gravado o documentário sobre o grupo, dirigido por Carlos Nader, e que
fará parte do Videobrasil Coleção de Autores. O Chelpa Ferro inaugura a mostra
Jardim Elétrico, na Galeria Vermelho, São Paulo. No mês seguinte, Zerbini apresenta as instalações Observação e Reflexão na mostra O Gabinete de Curiosidades de Domenico Vandelli, que tem curadoria da editora Anna Paula Martins e marca a inauguração do Museu do Meio Ambiente, no Jardim Botânico
do Rio de Janeiro. Expõe as obras Reflexão e Untitled (Turner a Rio) na mostra Seja Marginal, Seja Herói, na Galerie Georges-Philippe & Nathalie Vallois, Paris, F rança.
Realiza a exposição Paisagemnaturezamortaretrato, no Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo. S obre a exposição, Luiz Zerbini comenta:
“As colunas caíram do céu. É nessa exposição onde pela primeira vez a pintura bidimensional ganha o espaço e passa a ser um ambiente com caráter instalativo apoiado na curiosa arquitetura, com sua parede curva e suas intrigantes colunas de
sustentação. Foi onde eu usei a ideia da pintura reflexiva, que tem a capacidade de refletir o mundo. Nas pinturas reflexivas você tem o mundo refletido, ali era como se você estivesse dentro da pintura”.
O Chelpa Ferro inaugura a exposição Acusma, no Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
2009
O Chelpa F erro apresenta, a convite de Ivo Mesquita, a instalação Totoro, no Octógono da Pinacoteca do Estado de São Paulo, e inaugura exposição individual na Galeria Progetti, Rio de Janeiro. Zerbini é convidado pela Editora Cosac Naify para ilustrar o livro Alice no país das maravilhas, com tradução de Nicolau Sevcenko. Participa da primeira itinerância da exposição O Gabinete de Curiosidades de Domenico Vandelli, no Inhotim, Brumadinho, Minas Gerais; da coletiva Sertão Contemporâneo, com curadoria de Marcelo Campos, na Caixa Cultural Salvador, Bahia; e de individual na Galeria Laura Alvim, Rio de Janeiro, a convite da curadora Ligia Canongia. Nasce sua terceira filha, Violeta Kerti Zerbini.
BIBLIOGRAFIA
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RAMOS, Renata. A volta de uma turma da pesada. Jornal do Brasil, 12 jan. 2008. Caderno B , p. E 4.
VELASCO, Suzana. A pintura ruidosa de Zerbini. O Globo, 2 dez. 2009. Segundo Caderno.
CRÉDITOS
TÍTULO DO PROJETO
ARTE BRA Luiz Zerbini
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Luiza Mello
DIREÇÃO DE ARTE
Rara Dias
DESIGN
Tecnopop
TRATAMENTO DE IMAGEM
Fujocka
Ipsis
ESCANEAMENTO DE IMAGENS
Mariana Schincariol de Mello
REVISÃO
Duda Costa
VERSÃO PARA O INGLÊS
Renato Rezende
REVISÃO DA VERSÃO INGLÊS
Daniel Horch
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA
Cecilia Kastrup
PRODUÇÃO GRÁFICA
Sidnei Balbino
FOTOGRAFIA
Anna Dantes
Chelpa Ferro
Eduardo Brandão
Eduardo Ortega
Flavio Colker
Gabriel Rodrigues dos Santos
Guido Paterno Castello
Isabela Matheus
João Bosco
Julio Callado
Luiz Zerbini
Luiza Mello
Marcio RM
Marcos Vinicius
Paulo Jares
Regina Casé
Rômulo Fialdini
Vicente de Mello
GESTÃO
Marisa S. Mello