ARTE BRA Barrão é o sétimo volume da coleção ARTE BRA, projeto editorial que se propõe a ser o mais abrangente possível, procurando dar conta dos diferentes aspectos que caracterizam a criação artística na contemporaneidade.
O texto crítico inédito foi elaborado pelo crítico e professor Felipe Scovino, que destaca o caráter híbrido dos trabalhos de Barrão, entre a artesania e a tecnologia. Felipe chama a atenção para o caráter autodidata da formação artística de Barrão, que captou o ambiente de tecnologia, som e informação que caracterizou a década de 1980. A fortuna crítica conta com textos de Monica Ramires e Jorge Espinho.
No caderno do artista, Barrão apresenta alguns projetos através de desenhos, colagens e anotações. Ao observar os planos do artista para trabalhos futuros, a ironia presente em sua obra salta aos olhos do observador.
A entrevista e a cronologia, elaborada pelo pesquisador Frederico Coelho, podem ser lidas em um único fôlego, pois são complementares para o entendimento do percurso do artista. Participaram da entrevista os amigos e parceiros Luiz Zerbini, Sergio Mekler, Tunga, Sandra Kogut, e a coordenadora desta coleção, Luiza Mello. A conversa girou em torno da alma dos objetos e do acaso que envolve o processo de trabalho do artista, que monta uma nova peça a partir de pedaços de várias, já existentes. A artesania é muito presente nestes casos, e se inicia na procura e organização de um grande acervo de peças coletadas.
Capa
Detalhe
Caderno do artista
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Nascido no Rio de Janeiro, em 1959, BARRÃO pode ser considerado um autodidata, pois desde o início da carreira teve forte envolvimento prático e experimental com os meios em que trabalha. Fez parte do grupo Seis Mãos, desenvolvendo atividades com vídeo, pinturas ao vivo, shows musicais e performances. Em meados da década de 1990, criou o Chelpa Ferro, grupo que opera no limite entre a instalação, o vídeo e a escultura, sempre relacionados à pesquisa de som experimental.
A obra do artista orienta-se pela lógica da bricolagem: trata-se do reaproveitamento de utensílios do cotidiano, como eletrodomésticos, brinquedos e louças, formando esculturas de objetos agrupados e emendados. Nesse agrupamento, proporciona um alargamento de nossa relação com as coisas – uma interação fantástica e criadora. Com procedimentos semelhantes, trabalha com a música – destruindo e reconstruindo instrumentos e componentes eletrônicos, realizando colagens com diferentes sons. As múltiplas facetas da obra de Barrão não produzem antagonismo ou divisão, mas tonalidades afetivas e tempos distintos e complementares.
“A obra de Barrão, portanto, aponta em suas mais diversas técnicas uma preocupação com a pesquisa e a experimentação de meios; constrói um mundo ficcional, habitado pelas diferenças, mas que o torna essencialmente e paradoxalmente humano e concreto. Faz uso da irreverência, do humor e em alguns momentos da poesia visual como suportes dessa invenção, para que a partir dessa (suposta) ficção possamos reinterpretar o mundo em que vivemos.”
Felipe Scovino
Luiza Mello e Marisa S. Mello
ENTRE A ARTESANIA E A TECNOLOGIA:
Felipe Scovino
Monica Ramirez-Montagut
O VERDADEIRO LUGAR DAS COISAS:
SUA NATUREZA INTERIOR, EXTERIORIZADA
Jorge Emanuel Espinho
APRESENTAÇÃO
Luiza Mello e Marisa S. Mello
ARTE BRA Barrão e ARTE BRA Fernanda Gomes, elaborados simultaneamente, constituem-se no sétimo e oitavo volumes da coleção ARTE BRA. Este projeto editorial se propõe a ser o mais abrangente possível, procurando dar conta dos diferentes aspectos que caracterizam a criação artística na contemporaneidade, com grande quantidade de conteúdo, organizados em um projeto gráfico originado do diálogo entre textos e imagens.
Barrão atua na cena carioca desde o início dos anos 1980, realizando trabalhos com diferentes parcerias, que se mantêm presentes até os dias de hoje, através do grupo Chelpa Ferro, formado na década de 1990. O volume aqui apresentado mantém a estrutura básica da coleção, traz um texto inédito e revisita outros, que marcaram algum momento da trajetória do artista.
O texto crítico inédito foi elaborado pelo crítico e professor Felipe Scovino, que destaca o caráter híbrido dos trabalhos de Barrão, entre a artesania e a tecnologia. Felipe chama a atenção para o caráter autodidata da formação artística de Barrão, que captou o ambiente de tecnologia, som e informação que caracterizou a década de 1980. Desde então, a relação entre arte e indústria aparece sob diferentes suportes: equipamentos, eletrodomésticos e, a partir da década de 1990, louças de cerâmica, são reunidos ou colados de maneira irreverente e muitas vezes irônica, criando múltiplas possibilidades de interpretação. “O humor entra aí como uma lâmina fina que critica o lugar do senso comum, da uniformização e da falta de discernimento no consumismo “selvagem”. O humor, porém, é mais do que isso e é esse momento que interessa a Barrão: ele intervém sobre o significado original do objeto e enxerta outro por um movimento imprevisto, um desconcerto, uma piada.”
Monica Ramires relaciona os procedimentos do artista e sua relação de sutil e irônica transgressão com a organização da ordem econômica vigente, padronizada, consumista e produtora de excedentes [e de exclusões]. No ateliê do artista, as diferentes louças recolhidas no trabalho de campo são classificadas e agrupadas conforme suas idiossincrasias. Ao reagrupá-las, monta um quebra-cabeça em três dimensões, que conta histórias e produz ilimitadas associações entre as peças.
Para o crítico Jorge Espinho, ao explorar o avesso dos objetos, Barrão torna exterior o interior; partindo basicamente de objetos de cerâmica oriundos da cultura de massas, o artista extrai partes de diferentes origens e as reúne em um novo objeto. Através dessa operação, revela o mundo mágico que se esconde dentro das coisas e dos seres.
No caderno do artista, Barrão apresenta alguns projetos através de desenhos, colagens e anotações. Ao observar os planos do artista para trabalhos futuros, a ironia presente em sua obra salta aos olhos do observador.
A entrevista e a cronologia, elaborada pelo pesquisador Frederico Coelho, podem ser lidas em um único fôlego, pois são complementares para o entendimento do percurso do artista.
Participaram da entrevista amigos e parceiros, entre eles Luiz Zerbini e Sergio Mekler, do Chelpa Ferro; o artista Tunga, cujas trocas com Barrão datam de mais de duas décadas; Sandra Kogut, artista que se dedica a trabalhos audiovisuais, e com quem Barrão realizou vários trabalhos em colaboração, especialmente na década de 1980; e a coordenadora desta coleção, Luiza Mello, produtora cultural que atuou junto ao Chelpa Ferro em vários momentos. A conversa girou em torno da alma dos objetos e do acaso que envolve o processo de trabalho do artista, que monta uma nova peça a partir de pedaços de várias, já existentes. A artesania é muito presente nestes casos, e se inicia na procura e organização de um grande acervo de peças coletadas.
Por fim, apresentamos uma bibliografia para aqueles que querem entrar em contato com outras referências do universo criativo de Barrão.
Esperamos que a leitura deste livro proporcione tanto prazer quanto a sua elaboração; foi refletindo, elaborando, juntando, colando e rindo que ele aconteceu.
ENTRE A ARTESANIA E A TECNOLOGIA:
O MUNDO HÍBRIDO DE BARRÃO
Felipe Scovino
A trajetória artística de Barrão se confunde com uma espécie de abertura para as artes visuais brasileiras. É um conceito vago mas espero que ao longo desse ensaio as diversas camadas sobre o entendimento a respeito de “abertura” (amplitude, expansão, entre outras) sejam detectadas e reavaliadas. Barrão, apesar de ter cursado algumas aulas na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV) no início dos anos 1980 pode ser considerado um autodidata. Nesse período o Brasil vivia um afrouxamento do regime militar (o que já poderia ser detectado em 1979, quando vários artistas, intelectuais, políticos e quase todos que foram exilados ou se autoexilaram retornaram ao país) e a convergência de protestos pelo fim da ditadura e por eleições diretas sob uma atmosfera que incluía alegria, suspeita em relação aos novos tempos e a reinvindicação por direitos políticos. Ao mesmo tempo o rock, a lisergia e o envolvimento com o que poderíamos nomear como um “espírito de liberdade” foram importantes para aquela geração, e julgo, em especial, para a produção de Barrão. Nas suas primeiras obras, podemos identificar vestígios, signos ou influências da música, da linguagem televisiva, do rádio, dos meios de comunicação, dos computadores portáteis que passavam a ser comercializados, em suma, de um misto de tecnologia, som e informação rápida que passavam a habitar o meio doméstico brasileiro. Aqui temos uma primeira instância da ideia de abertura. O quanto a obra e a própria função do artista passaram a adotar novas possibilidades de atuação. E um exemplo bastante pertinente é o Seis Mãos (1983-1991), formado por Barrão, Ricardo Basbaum e Alexandre Dacosta. O coletivo desenvolve atividades com vídeo, pinturas ao vivo, shows musicais e performances e promove o projeto Improviso de Pintura e Música no espaço público ou em faculdades. O trabalho coletivo sempre será uma tônica no processo de trabalho de Barrão. Além dos Seis Mãos, ele está presente nos projetos envolvendo design para capas de livros e LPs assim como no trabalho com o Chelpa Ferro.
A primeira exposição do Seis Mãos tem lugar em 1983, no Circo Voador, o que ilustra bem o que foi dito brevemente sobre o cenário cultural no Brasil e em particular no Rio de Janeiro. O Circo era o abrigo para manifestações culturais das formas mais diversas. Desde a experiência do Asdrúbal Trouxe o Trombone, passando pelas novas bandas de rock (Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Titãs, entre outras) até performances e exposições. Envolvido nesse clima libertário, irreverente e de ampliação e conjugação de fronteiras artísticas, Barrão, Basbaum e Dacosta experimentavam novas possibilidades associativas entre pintura e performance.
Seis Mãos fez parte do processo de amadurecimento da performance no Brasil. Esta linguagem artística desde os anos 1960 estava simultaneamente inventando seus próprios modos e conceitos (como foram os casos de Hélio Oiticica e Lygia Clark e o que nomearam como proposições), e estabelecendo pontos de contato com a videoarte, como foram as obras de Anna Bella Geiger, Sonia Andrade, Leticia Parente e Lygia Pape. As ações envolvendo Barrão, Ricardo Basbaum e Alexandre Dacosta – sem esquecer a experiência da Dupla Especializada, um projeto dos dois últimos artistas que ao longo da década de 1980 criou ações em torno da discussão sobre performance - criaram diálogos com outros artistas que experimentavam a performance naquele momento, como Márcia X. e Alex Hamburger. Essa atmosfera de ironia, humor e enfrentamento com um meio artístico muito conservador, provinha singularmente da falta de oportunidade de exibir as obras e projetos artísticos assim como do número reduzido de espaços (institucionais ou não) e de um circuito crítico que debatesse, criticasse e dialogasse com o meio artístico. Esses artistas experimentavam suas linguagens mas pareciam dialogar com o deserto, sendo a eles delegados a falta de estrutura, o vazio ou a acusação de não serem artistas.
Nesse sentido, cabe um rápido parênteses sobre uma ação de Márcia X. que documenta esse clima de invenção na performance. Em 1986, a Academia Performance instala-se no bairro do Leblon. Como qualquer academia de ginástica, o lugar era repleto de aparelhos de musculação para quem desejava “manter-se em forma”. Márcia X., a idealizadora da “academia”, pensou em “ocupar a Academia Performance com performances variadas, transformar o espaço numa ampla ‘instalação’, transmutar os aparelhos em obras de arte ready-made, exercitar o corpo em manobras imprevistas sem objetivos estéticos etc"1. E Basbaum prossegue: "O evento durou apenas uma noite de exercícios: a artista, vestida com uma espécie de vestido plástico de ginástica, exercitou-se pelos mais diversos aparelhos, fez demonstrações, movimentou uma máquina de pintura, levantou halteres etc."2 No momento em que discutimos a relação cada vez mais próxima entre arte e vida, Márcia X. já havia nos antecipado esse comprometimento de uma maneira irônica, mas clara. O que é encenação e o que fica compreendido como real? Do que se trata, afinal, uma experiência artística? Nesse campo aberto de possibilidades, a artista cria um outro limite para a ideia de performance ou happening, um limite que figura entre o real e o inventado, o falso e o verdadeiro. Este comprometimento em se posicionar criticamente no meio, cria um diálogo com os Seis Mãos se articularmos a ideia de que as pinturas ao vivo também são manifestações que evocam a rua, o ambiente público, o happening e a ampliação/abertura de meios artísticos.
Há de destacar outros artistas ou coletivos no Brasil, contemporâneos ao Seis Mãos, que também amadureceram a experiência da performance ou de intervenções públicas, em suas mais distintas estratégias, como, por exemplo, 3Nós3 (assim como as propostas individuais de cada um de seus componentes, Hudinilson Jr., Rafael França e Mario Ramiro), Anna Maria Maiolino, Guto Lacaz, Iole de Freitas e Vera Chaves Barcellos.
Ainda em 1983, Barrão participa das mostras Arte na rua I e Pintura! Pintura!, ambas no Rio. No ano seguinte, realiza a primeira individual, Televisões, na Galeria Contemporânea, e participa da coletiva Como vai você, geração 80?, realizada na EAV. Observando de forma retrospectiva, a participação de Barrão nesta exposição foi fundamental para desmistificarmos a ideia de que ela foi uma mostra puramente de pintura já que a obra que exibiu era formada por duas televisões que colocadas uma defronte a outra, como o artista mesmo diz, “conversavam” tendo as suas telas pintadas em algumas partes para que uma determinada área ficasse “livre” de tinta e o público pudesse visualizar a ação que ali se realizava. Mas por outro lado, e articulando de forma paradoxal, esta obra é um indício de que algo que o acompanhará ao longo de sua trajetória ali ganhava uma particularidade: mesmo operando em um objeto tridimensional, tecnológico, Barrão articulava um pensamento sobre a cor, a mais notável e particular característica de um pintor.
É de extrema importância percebermos que ainda no início de sua carreira encontraremos as bases para projetos que foram realizados 20 ou 30 anos depois. Em Avião (1985), por exemplo, eis que 5 portas de geladeira são colocadas na parede de forma a estruturar uma espécie de planta baixa de um avião. Nas extremidades de cada “asa”, um liquidificador. Estes são conectados por meio de fios a uma máquina pela qual Barrão liga e depois “equaliza” o som dos liquidificadores. É bom salientar que desde o início da sua trajetória, e mais uma marca da coerência de seu trabalho, o artista em muitos momentos fez uso do som. Esta é uma obra que antecipa o que realizará em conjunto com seus colegas de Chelpa Ferro, a partir de 1995, e que lança as bases, portanto, para a sua pesquisa envolvendo som e artes plásticas.
Ao estabelecer a relação entre arte e indústria, Barrão claramente faz uso de objetos da cultura de massa (televisões, rádios, lavadoras, geladeiras, fogões, entre outros utensílios da vida moderna) mas ao contrário dos artistas da Pop, Barrão não tem interesse em explorar um acento dramático ou político desse contexto. Não interessa ao artista explorar uma crítica contra o consumo ou ao mercado, mas demarcar um campo muito próprio, o da irreverência, do humor e em alguns casos da ironia. É perspicaz, por exemplo, a sintonia entre as suas duas batedeiras “transando” em Sem título (1986) com uma obra da série Registros (2003) de Marcos Chaves, em que dois registros de banheiro, um ao lado do outro, adotam, como se isso fosse possível, uma identidade sexual. O registro mais alto tem a sua boca virada para a superfície plana e aberta do registro “fêmea”, menor, como se um ato sexual estivesse acontecendo. Mais do que o fato das duas obras estarem metaforicamente se relatando ao sexo, há uma ideia clara, ou o ponto chave da aproximação desses dois artistas ao menos nesse caso, de fomentar uma poesia visual. Uma poesia sem palavras, como se a imagem fosse escrita, mas fundamentalmente retirar a seriedade ou dramaticidade do mundo, passar a percebê-lo de um modo menos letal ou fatal. O humor entra aí como uma lâmina fina que critica o lugar do senso-comum, da uniformização e da falta de discernimento no consumismo “selvagem”. O humor, porém, é mais do que isso e é esse momento que interessa a Barrão: ele intervém sobre o significado original do objeto e enxerta outro por um movimento imprevisto, um desconcerto, uma piada. De certa forma, para o artista, o uso do humor aponta para uma ideia “divertida”, que o interessa, na medida em que minora o sentido da sua “responsabilidade”.
Se quisermos estabelecer uma associação com o meio, o artista estaria mais próximo das investigações do videoclipe, o uso da mídia digital e da tecnologia como plataformas de experimentação para a amplitude da ideia de objeto, do que um discurso sobre a perversão da sociedade de consumo e como o objeto artístico poderia interpretar e criticar esse contexto. Esta proximidade com meio digital ajuda a entender a sua aproximação com os trabalhos no campo do design e do vídeo. Junto com a cineasta Sandra Kogut realiza uma série de filmes experimentais que consolidam a linguagem da videoarte no país, tais como 7 horas de sono (1986) e A G. Profunda (1987), e anteriormente Calendula concreta (1985), uma parceria da diretora com o grupo 6 Mãos. Realiza capas de disco para artistas como Fausto Fawcett (em parceria com Luiz Zerbini realizam “Fausto Fawcett e os robôs efêmeros”, de 1987), Legião Urbana (em parceria com Fernanda Villa-Lobos em “Descobrimento do Brasil”, de 1993; “Uma outra estação”, de 1997; e, “Como é que se diz eu te amo”, de 2001, entre outros), Lenine (“o dia em que faremos contato”, de 1997), Paralamas do Sucesso (em parceria com Fernanda Villa-Lobos, em “Hey Na Na”, de 1998; “Acústico”, de 1999; “Arquivo 2” de 2000; e, “Longo caminho” de 2002), Herbert Vianna (“Victoria”, 2012), entre outros. Também realiza o projeto gráfico para livros de poetas como foi o caso de “Letra Elétrika” (1994), de Chacal. A partir de meados dos anos 1990, mesmo com um mercado de arte incipiente e um circuito fechado a circulação e produção de arte contemporânea com pouquíssimas galerias dedicadas a essa pesquisa, a obra de Barrão ganha um prêmio (Prêmio Brasília de Artes Plásticas, em 1990) e passa a fazer parte de 4 coleções de arte muito importantes que seriam as de Gilberto Chateaubriand, João Sattamini, Marcantonio Vilaça e do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Aliado a esse fato (apesar de sua obra pertencer a essas coleções, isso não representava que seu trabalho fosse largamente vendido ou que possuía um reconhecimento institucional, o que demonstra a inabilidade do circuito de arte brasileiro naquele momento), Barrão ao lado de Luiz Zerbini, Sergio Mekler, André Costa e posteriormente Chico Neves, sendo que estes dois últimos hoje já não fazem mais parte do grupo, cria o Chelpa Ferro, e sua trajetória ganha mais uma oportunidade para a experimentação e o convívio e produção coletiva com outros artistas.
O hibridismo e corpos ou máquinas em mutação são características que permeiam a obra de Barrão. Passando pelas suas máquinas - instalações sonoras, performáticas e cinéticas - e chegando aos trabalhos feitos com louça a partir dos anos 2000, o artista investiga o excesso, o estranho e a falha não só como temas mas como processos constitutivos desses corpos híbridos criados em função de partes. Há nesse momento uma subordinação do todo pelas partes. Guardadas as suas radicais diferenças e estratégias, é perspicaz trazer à tona um depoimento de Louise Bourgeois sobre a sua série de esculturas em madeira realizadas nos anos 1940. Sobre essa série ela afirma que “este tipo de trabalho utiliza muitas peças originalmente separadas, reunidas para destacar as suas semelhanças e diferenças, e também para fazer delas um todo, que é mais do que a soma de suas partes separadas. Não há nada de impetuoso em tal forma de trabalhar. Ao contrário, existe uma grande moderação, cuidado, reflexão e tempo envolvidos, e a possibilidade de infinitas mudanças e ajustes menores.”3 Ademais, é curioso o fato de que a segunda parte da fala da artista remete a um outro aspecto também ligado ao trabalho manual e meticuloso exercido por Barrão no ateliê. Suas obras podem demorar semanas ou meses para ficarem prontas porque determinada parte ou o arremate final da peça dependerá de uma louça ainda a ser encontrada. Não há pressa, pois apesar de em alguns casos haver um projeto de execução, quase sempre é a ação e o tempo próprio e dedicado ao ofício de juntar essas partes ainda a serem alocadas que cria circunstâncias, desvios e caminhos próprios e não elaborados previamente pelo artista.
Separar, cortar, colar, unir fragmentos de diferentes fontes e elaborar uma obra que é composta por fragmentos são atos em processo contínuo na trajetória desse artista. É interessante o fato que Barrão deixa a mostra a massa adesiva, o material que liga as estruturas das louças. É essa instância da falha que cria um novo elemento de visibilidade para as suas obras. Tudo parece se manter em um equilíbrio precário como é o caso de Terezão (2006) e Barravento (2010). Esta obra consiste em um elefante preso a parede cuja tromba segura uma espécie de bolsa que na verdade é uma estrutura formada por partes de uma figa, de uma pata de outro elefante, de um abacaxi e de uma couve. Esse sintoma de uma instabilidade provisória interessa a Barrão. Um castelo de cartas prestes a desmoronar ao menor descuido do outro. De certa forma, a obra passa a conclamar um estado humano, ganha uma carnalidade.
As "sobras" - essa nomenclatura se faz presente porque na grande maioria de suas obras são utilizados produtos usados ou de segunda mão - exploram essa capacidade de reativar uma nova ordem e conceituação para o objeto: como um inventor, Barrão artesanalmente desconstrói e rearranja novas peças e componentes, construindo um objeto híbrido, que torna visível seu interesse em reconfigurar o que está diante de nós mas que consideramos como excesso ou observamos com desdém, e simultaneamente, essa mesma obra, revela a sua intensa pesquisa com a cor. É o caso de Cavalo (2002) ou oito anos depois,
de Pato aguado. Nesses dois exemplos, percebemos que não se trata apenas de uma colagem a esmo de partes ou distintas figuras de louças, mas é revelado um cuidado e atenção em como a cor tem um aspecto relevante na sua pesquisa e é parte essencial na conjugação entre forma e matéria, construindo, de forma delicada, esses monocromos, ou variações sutis de cores, feitos em pedaços.
A obra de Barrão borra as fronteiras entre escultura e pintura. Mesmo sendo um escultor ou algo próximo disso, Barrão pensa em zonas cromáticas e em textura, campos de interesse típicos de um pintor, ao invés de volume, massa e espaço, que seriam conceitos tradicionais da escultura. Nesse momento, dois projetos não realizados dos anos 1990 fazem sentido serem resgatados. Briga dos animais (1992) e Aspiradores de pó (1991) são obras premonitórias. No primeiro, o artista revela por escrito (“souvenir de louça quebrados e colados”) e em imagens o seu projeto em realizar um trabalho com louça em que um conjunto de distintos bichos, colados, reproduziria o que poderíamos nomear como um animal híbrido. Só cerca de 8 anos depois a primeira das obra em louça foi feita. Já em Aspiradores de pó, percebemos como Barrão lida com os conceitos de massa e volume e demais questões escultóricas ao projetar uma semiestrutura cônica formada apenas pelos eletrodomésticos que dão título à obra. Barrão escreveu no projeto que seriam “vários aspiradores amontoados formam uma coluna de mais ou menos 1,70m. Alguns ligam. Barulho”. Uma obra que antecipa não só os trabalhos que realizará nos anos 2000 (em especial, a bricolagem e a organização estrutural e plástica de elementos semelhantes) mas também a atuação do Chelpa Ferro, por conta não só do uso e reunião de materiais baratos e/ou que fazem parte do cotidiano e que Ligia Canongia chamará de “irreverência lúdica”4 , mas substancialmente pela pesquisa com o som. É perspicaz reconhecer que determinadas obras possuem seus, digamos, antepassados ou referências históricas e nesse caso o quão coerente se torna essa trajetória. É o caso também de Morretão de 12 (2014) e de uma escultura feita nos anos 1980 em que o artista empilhou 3 fogões tendo no interior de cada forno uma TV. A primeira obra compreende uma coluna feita com bases cilíndricas de pias de banheiro em que a sua superfície lisa ressalta a qualidade pictórica da escultura ao mesmo tempo em que cria um jogo geométrico compreendido numa sucessão de volumes. Está também impressa a forma como Barrão lida com o seu arquivo e memória, já que Copacabana (1986) embora esteja associado a um outro tema e temporalidade, percebemos a mesma composição escultórica e a preocupação com a lógica cromática. Ademais, nesta obra também nos é revelada a capacidade de antevisão do artista, isto é, refiro-me ao fato de que como a associação entre arte e tecnologia tornar-se-ia uma pesquisa bastante madura e pertinente na década seguinte.
Barrão não detém uma coleção, no sentido conservador do termo, isto é, ele não é um colecionador de louças antigas ou raridades que as detém por prazer em conservá-las, mas pelo contrário. Em meio àqueles objetos que poderíamos designar como inúteis ou de mau gosto (por exemplo, canecas que homenageiam festivais de cidades do interior, festas da cerveja ou encontros das mais variadas representações), ele os preserva como se fosse um arquivo, um acúmulo de materiais a serem utilizados na hora certa, mas quando esse momento chega é a sua fratura que o interessa. Em alguns casos, dezenas de pedaços são criados para darem forma a um novo corpo. O sintoma de arquivo e acúmulo, aliás, é outra condição que o acompanha desde o início da sua obra, quando ao invés de louça, a “coleção” era formada por fogões, geladeiras, televisões e toda a sorte de materiais eletroeletrônicos.
O lugar que Barrão ocupa na história da arte brasileira é bastante singular. Talvez pudéssemos incluir outro artista nesse núcleo que seria Guto Lacaz. Apesar de suas especificidades próprias, Barrão e Lacaz, cada um a seu modo, estavam experimentando nos 1980 em um novato meio receptor de arte voltada para a pesquisa em tecnologia, possibilidades do que poderíamos chamar de uso maquínico para o campo de produção da arte. A produção de Lacaz fazendo uso de objetos do cotidiano assim como explorando possibilidades tecnológicas na arte relaciona-se fortemente com o universo da mídia e do consumo. É o caso de Óleo Maria à procura de salada (1982) em que uma lata de óleo, que dá título à obra, equipada com um radar, se desloca por meio de motores sobre uma bandeja, ou então Rádios pescando (1986), uma instalação em que rádios de diferentes tamanhos, formatos e cores têm suas antenas posicionadas horizontalmente e na ponta de cada uma delas foi colocada uma linha como se as mesmas tivessem se transformado em varas de pescar. Além do humor e de uma circunstância ocasional em que a máquina assume formas ou comportamentos humanos, sejam atitudes ridículas, banais ou cotidianas, a poesia visual, como foi comentada há pouco, tem uma forte influência no trabalho de Barrão, e em Guto Lacaz não é diferente. Em ambos, a forma como título e obra se aliam criando uma conjugação plástica na qual o título não é apenas algo que nomeia o trabalho mas como se fosse o seu complemento, parte essencial da criação poética.
O humor, o aspecto maquínico, a poesia visual e mais a inclusão do som como fonte de pesquisa e matéria para a produção dos objetos também sobrevoam a atuação do Chelpa Ferro. Em várias obras percebemos essas relações diretas, como é o caso de A mulher Coca-Cola (1987) de Barrão e Boneca (1997) do Chelpa Ferro. Na primeira, a cabeça de uma boneca é colada no topo da garrafa de refrigerante e logo abaixo estão os seus braços, de forma a aludir que o corpo da boneca agora é a própria garrafa; na obra do Chelpa Ferro, dentro de uma caixa acrílico há uma boneca e um CD player, e 3 alto-falantes são colocados nos seios e no sexo da boneca reproduzindo o som do disco. Em ambos, presenciamos a “colagem” de distintos elementos, cores, texturas, formatos, tamanhos e fontes que abarcam o mundo poético de Barrão. Contudo, não estou afirmando que a obra de Barrão influencia diretamente e sem restrições o trabalho do Chelpa Ferro, mas que acontece uma simultaneidade, um fluxo contínuo entre as duas produções, a ponto de não mais podermos identificar quem influencia quem, ou se essa circunstância – influência – existe. Trata-se, portanto, de contaminação mútua, um aspecto em que não mais detectamos de onde partiu tal ação.
Há um aspecto de subversão nas máquinas de Barrão e do próprio Chelpa Ferro. Elas se movimentam sozinhas, criam uma autonomia própria para as suas ações. São os casos do conjunto de vitrolas com uma miniatura de elefante colocada em cada uma delas que ao serem ligadas em invés de termos música é o animal quem dança (Elefantes de circo, 1986, de autoria de Barrão), e de Jungle Jam (2006) do Chelpa Ferro, em que um conjunto de sacos plásticos de compras presos à parede são ligados a vários motores e comandados por um software que controla por meio de programação quais motores funcionam e quais ficam parados. Estes sacos “ganham vida” e promovem a seu modo uma espécie de concerto apenas com o som da batida na parede. Para além de uma nova condição do cinetismo, é curioso também como o aspecto lúdico ou a instância do brinquedo são elementos bastante presentes nas obras de Barrão, sejam criadas em caráter coletivo ou não. Estas últimas duas características fazem com que o humor ou o cômico das formas realizadas por esse artista provoquem tensões, especialmente quando a obra em questão envolve objetos fálicos, como pode ser o caso de Batráquios (2007). Quando Paulo Herkenhoff escreveu a respeito do Luladepelúcia (2006) de Raul Mourão em que “olho e tato estão a serviço dos impulsos agressivos ou sexuais envolvidos no humor”5, de certa forma esta afirmação pode ser transmitida para os objetos de Barrão. Se em Mourão, a discussão se centrava na pelúcia, em Barrão é o plástico, a louça ou a máquina que a substituem. Estes materiais trazem o aspecto da sociedade de consumo, são elementos e situações altamente identificáveis e próximos mas instauram de forma antagônica um “estranhamento intimista”6 ou um sorriso amarelo. Estes materiais ou máquinas que fazem parte do nosso dia-a-dia são “desfuncionalizados”, não mais obedecem a um desejo ou uso que pretendíamos que eles tivessem enquanto objetos de consumo. Suas funções enquanto produto industrial que serve a uma utilidade prática e pré-determinada (preservar os alimentos no caso da geladeira, cozinha-los no caso do fogão ou ainda reproduzir o som de um LP no caso de um toca-discos) são anuladas. A televisão fica acoplada dentro uma máquina de lavar (TV com programação normal, de 1990) ou um conjunto de torradeiras suportam um boneco de pelúcia (A paciência do coelho, de 1989) não permitindo que suas atribuições sejam exercidas. É claro que o cinismo e a ironia duchampiana são legados visíveis em seu trabalho, mas nomear Barrão como um neodadaísta seria em certa medida um erro. Como um inventor ou cirurgião, o artista disseca suas peças, reinventa seus lugares, funções e “corpos”. É aqui que se diferencia de Duchamp ou dos neodadaístas dos anos 1960: seu interesse é na máquina, na criação de um estranhamento que simultaneamente emite um sentido familiar e jocoso. Como escrevi há pouco, esse interesse também se estende para uma investigação muito particular sobre o lugar da manufatura da escultura, que até certo ponto vem perdendo espaço na contemporaneidade e Barrão, assim como um artista do século XIX, usando o barro ou o gesso para modelar e executar suas peças faz uso constante quando trabalha especialmente com a louça, mas também sobre questões que apontam uma proximidade com a pintura, singularmente a forma como “esculpe” a cor.
O título desse ensaio refere-se a um dos aspectos centrais que perpassa a trajetória de Barrão que é a forma como consegue aliar a artesania, ou essa capacidade de produzir seus objetos híbridos de forma manual – quebrando ou repartindo determinado material e logo em seguida colando-o, soldando-o ou, enfim, ligando-o a outra estrutura – e meticulosa a uma inovação ou experiência tecnológica, que ainda no caso da sua primeira década de trabalho ou atuando com o Chelpa Ferro também passa por uma pesquisa sonora. É essa capacidade inventiva de aliar materiais, dispositivos, origens, histórias e formas diversas que separadas seriam completamente antagônicas mas que como um quebra-cabeças, essas peças se ajeitam, adequam-se, encontram seus pares e ganham sentido e forma.
É curiosa, por exemplo, a associação da obra de Barrão com Palatnik. Ambos no início de suas carreiras, e cada um a seu modo e em diferentes estratégias, tiveram um fascínio pelo formato ou linguagem da TV. Os Aparelhos cinecromáticos, de Palatnik, criados a partir de 1951, possuem um formato de caixa televisiva e experimentam cores e luzes que de alguma forma traduzem esse fascínio da tecnologia. Já em Barrão, a TV é um material recorrente como são os casos de TV fóssil (1987), Cabeça de pato girando na tela quebrada da TV Philco movida por um motor de secador de cabelo (1990), Telefunk (1989) que consiste em um TV com lentes de óculos tendo graus diferentes que modificam a percepção da imagem, as duas TVs conversando no trabalho exibido no Parque Lage (Sem título, 1984), ou TV Cavalo (1988) que é um brinquedo simulando a cara de um cavalo fixado ao televisor. Estas obras não tem a TV apenas como suporte mas fundamentalmente pensam a sua linguagem com o meio, ou comportamento que exercem na sociedade de consumo, sem criar um discurso panfletário a respeito desse tema.
A obra de Barrão, portanto, aponta em suas mais diversas técnicas uma preocupação com a pesquisa e a experimentação de meios; constrói um mundo ficcional, habitado pelas diferenças mas que o torna essencialmente e paradoxalmente humano e concreto. Faz uso da irreverência, do humor e em alguns momentos da poesia visual como suportes dessa invenção, para que a partir dessa (suposta) ficção possamos reinterpretar o mundo em que vivemos.
BARRÃO
Monica Ramirez-Montagut
O artista brasileiro Barrão é mais conhecido por suas composições e mashups excêntricos e um tanto bizarros obtidos a partir de fragmentos de objetos populares de porcelana e cerâmica. O artista recolhe louças e enfeites onipresentes, antes valorizados na maioria dos lares brasileiros, que encontra vasculhando feiras de segunda mão, lojas de objetos usados, brechós, leilões populares e caçambas de lixo em busca de materiais descartados.
É importante destacar que, para Barrão, a empreitada artística inicia-se no momento em que ele percorre a cidade do Rio de Janeiro à procura de lojas curiosas, informais, e de camelôs. Parte de sua prática reside em estabelecer relação com os vendedores. Barrão é muito sociável e comunicativo, e partilha com os vendedores da fascinação por objetos abandonados, antes considerados valiosos e que agora não têm lar; artigos antes considerados belos e que agora são kitsch; que serviam de talismãs e agora não exercem qualquer influência; e que eram sinais de seus tempos e agora são démodé. Desvalorização, abandono e negligência resultantes da exclusão da economia e circulação oficiais são condições que os ambulantes conhecem muito bem. Nesses objetos relegados e subestimados que revendem e que Barrão recompra, eles, não obstante, enxergam grande potencial.
Qual a origem de toda a cerâmica rejeitada? Trata-se talvez do testemunho da classe média de nossa cultura consumista moderna. Comprar objetos em maior quantidade do que realmente precisamos é a base da nossa ordem econômica vigente. O consumismo moderno promove o desejo constante de adquirir e acumular objetos e bens de consumo supérfluos, como essas cerâmicas populares. Somos incentivados a comprar produtos que são atraentes para nós (as massas) porque eles representam o gosto e o estilo de vida dos ricos. Por esse motivo, proporcionam a gratificação que se associa à melhoria de nosso status social. A gratificação, contudo, é instantânea e efêmera, e esses objetos, em sua maioria, acabam sendo descartados ou simplesmente acumulados. As esculturas de Barrão evidenciam esse excedente acumulado; elas são um verdadeiro sinal dos nossos tempos. Contudo, acumular bens materiais, como sabemos, não traz realização pessoal. O bem-estar de uma pessoa trata-se mais de uma questão social, e Barrão gosta de incorporar essa característica em seu processo.
O componente festivo e social da prática de Barrão é relevante; ele amarra algumas das pontas soltas deixadas pelo consumismo moderno. Quando esses bens de consumo perdem a validade, Barrão os compra. Além de reinserir os restos da ordem econômica vigente no sistema (a um valor mais alto, pois eles agora são “arte” e não bens de consumo) e manter em circulação os vendedores de rua, contribuindo com a economia informal que prevalece no Brasil, ele também fortalece os laços dentro de sua própria comunidade. Sua estratégia de troca lembra mais a de um mundo pré-consumista (pré-industrial), onde o excedente (agrícola) era dedicado a ocasiões festivas; ou seja, o gasto era direcionado a uma espécie de objetivo coletivo. Mesmo comprando bens de consumo e participando de fato do sistema de consumo, Barrão, de alguma maneira, foge do envolvimento com a ordem prevalecente e, por sua vez, explora as possibilidades de modelos anteriores, não consumistas.
Depois de adquirir os materiais para as esculturas, é hora de outro aspecto de sua prática que ele também aprecia profundamente: a separação e classificação das louças e exibição em seu estúdio. A primeira reificação se dá quando ele pinça uma cerâmica rara e curiosa da pilha de quinquilharias do vendedor e a separa como material com potencial de arte. (Barrão acha interessante que figuras que não são tipicamente brasileiras, como elefantes, budas e motivos orientais/chineses, estejam, paradoxalmente, muito bem integradas no mundo particular da cerâmica.) No estúdio, ele redefine o significado dos objetos inúmeras vezes. Ao criar suas próprias classificações e separar as peças por tamanho, cor, função, vaso ou ornamento – que são divididos em amuletos de boa sorte (budas, figas, sapos e elefantes), outras criaturas (cavalos, cachorros, gatos, galos) ou plantas (milho, abacaxi, limão, banana, abóbora) –, Barrão está, na verdade, construindo sua própria coleção, tal como um gabinete de curiosidades.
O ato de colecionar com base na seleção de objetos por serem raros e curiosos tem origem no “gabinete de curiosidades” do final da Idade Média e Renascença. A curiosidade estava associada a conhecimento e aprendizado num mundo que colocava toda a importância no indivíduo, na época do início do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo (fornecendo, talvez, o primeiro excedente de bens de consumo) e do declínio do poder intelectual e institucional da religião. “Não estamos, portanto, surpresos em perceber que os princípios que formaram esse primórdio da coleção moderna residam na fronteira entre a teologia e o que uma época posterior chamará de ciência”, explica Susan Pearce em seu livro Museums, Objects and Collections.1 O gabinete de curiosidades, conforme descreve um nobre em 1594, abrigava “tudo aquilo que a mão do homem, por requintada arte ou engenhosidade, haja transformado em objeto, forma ou movimento raro; tudo aquilo que a singularidade, o acaso e a mistura de coisas tenham produzido; tudo aquilo que a Natureza tenha forjado em objetos que anseiem por vida e possam ser guardados será separado e incluído”.2 O foco de Barrão são as cerâmicas com “singularidades”, que sejam resultado do “acaso” ou que simplesmente “anseiem por vida”. Seu próprio estúdio (para classificação e exposição) e fundamentos intelectuais e estéticos funcionam mais dentro do contexto de gabinete de curiosidades do que de seu sucessor, o museu moderno (científico). Além disso, entendia-se que os objetos curiosos articulavam uma ligação entre a nossa realidade e o sobrenatural: um mundo que permanecia misterioso. São esses objetos desconcertantes e misteriosos, que “anseiam por vida”, que recebem de Barrão uma nova chance em sua coleção e suas esculturas.
A maioria dos sistemas organizacionais de exposição usados num gabinete de curiosidades permanece desconhecida. Apenas quem organizou os objetos conforme sua idiossincrasia, o dono da coleção, poderia entender a ordem revelada de seus objetos. E mais importante ainda, o poder de revelar ou não essa ordem conferia ao colecionador a supremacia e controle de seu conhecimento obscuro. Entretanto, a observação de uma imagem do estúdio de Barrão faz lembrar a descrição de Pearce do sistema de classificação usado para algumas coleções de gabinetes de curiosidades: “a coleção era organizada, em parte, segundo o tamanho das peças [...] e, em parte, buscando criar uma distinção entre artificialia e naturalia e de classificar o naturalia em grupos conforme suas características físicas aparentemente óbvias”.3 Essa organização parece bastante objetiva, ainda que não seja científica.
Devemos lembrar que a coleção do estúdio de Barrão não é simplesmente um depósito temporário, mas que as peças de cerâmica colecionadas serão cortadas e partidas em pedaços menores. É quase uma anticoleção: uma coleção reservada para a fragmentação – em alguns casos, violenta. No início, ele as quebrava com um martelo; ultimamente, usa ferramentas especializadas para cortá-las. Os fragmentos resultantes precisam ser reclassificados, e é este constante exercício de reclassificação que promove o entendimento do mundo material e alimenta a criatividade de Barrão. No mundo de hoje, da informação digital, onde imagens, fotografias e artes-finais de computador são a fonte de inspiração de muitos artistas, Barrão permanece próximo do seu material, de seus objetos e de sua palpabilidade e organização. Alguns esboços de esculturas, como o que originou a primeira escultura de cerâmica (Briga dos animais), utilizam tinta e aquarela.
Gostaria de argumentar que a forma como Barrão empreende sua coleção se revela verdadeiramente nas esculturas. Nelas, como num gabinete de curiosidades, as cerâmicas são de fato organizadas conforme sua idiossincrasia. Embora Barrão detenha o conhecimento secreto de sua organização, diferentemente do colecionador – que mantém uma posição de supremacia –, ele revela nas esculturas todas as associações livres que encontra entre os itens colecionados. As esculturas são densas e altamente saturadas de inúmeras interconexões que, ainda assim, conseguimos acompanhar. As justaposições não são tão aleatórias ou irracionais: elas são extremamente acessíveis. E são tais as semelhanças, qualidades, atributos, significados, símbolos e metáforas que as conectam que conseguimos começar a entendê-las e a nos identificar; e algumas dessas identificações são surpreendentes, inesperadas, excêntricas e geralmente provocam risos. É fácil acompanhar a visão do artista nessa cadeia de inter-relações, que talvez esteja mais próxima de nossas próprias associações do que o sistema de classificação e coleção de, digamos, um museu, onde a organização é determinada por autoria, autenticidade ou valor. A forma própria de Barrão de descobrir e desvendar ligações ocultas só pode ser alcançada por meio de seu conhecimento profundo e sutil do material, que ele adquire durante os processos manipulativos de colecionar, classificar, reclassificar e expor. Entendemos agora por que esses exercícios são de tamanha importância para o artista.
Barrão inicia suas esculturas determinando uma ou duas peças como pontos de partida. Em seguida, perfura as formas fechadas com seu senso de humor inventivo e um tanto sádico e, cuidadosamente, decide os outros cortes. Logo se inicia muita improvisação; a abordagem de Barrão para criar as obras é como o jazz, que é “sério no conceito, mas lúdico na execução”.4 É importante mencionar que o artista possui uma facilidade extraordinária para lidar com as geometrias complexas que resultam de seus fragmentos. Quebra-cabeças nunca são fáceis, quanto mais os tridimensionais repletos de curvaturas não euclidianas. Não obstante a dificuldade, as obras apresentam uma graciosidade na execução do reagrupamento dos diversos fragmentos para formar uma única composição, estabelecendo uma superfície que é palpável, mas, ao mesmo tempo, insinua certa profundidade.
O que acontece exatamente dentro das esculturas? Parte do humor das obras reside na necessidade de se imaginar como uma forma (uma cabeça de elefante) pode gerar e conceber outra (talvez outra cabeça de elefante ou uma tromba de galo). Talvez algo aconteça no interior das esculturas, ultrapassando a superfície? O interior, imaginamos, é um “mashup”, termo derivado da música que identifica uma combinação de conteúdo de diversas fontes, criando um híbrido. Os mashups esculturais de Barrão comparam-se aos mashups sonoros que ele cria em sua outra produção artística, como integrante do coletivo de artistas e trupe de performance Chelpa Ferro.
O grupo é conhecido por transformar objetos do cotidiano em mecanismos animados de criação de som. O som, na maioria dos casos, baseia-se na repetição e ritmo instintivos e às vezes é obtido a partir de mashups. Ao sobrepor a faixa de uma música a outra, sem emendas, as duas faixas se transformam simultaneamente em algo diferente da essência original. Muitos mashups se originam da prática de reorganizar material tradicional ou popular de diversas fontes para criar uma fusão, uma nova configuração. O compositor Gunther Schuller explicou a confluência do jazz com a música clássica da seguinte forma: “É uma maneira de fazer música [...] que acredita que todas as músicas são criadas iguais, coexistindo numa bela irmandade de músicas que se complementam e dão frutos.”5 É precisamente o que acontece no âmago das esculturas de Barrão, onde os fragmentos se complementam e frutificam à medida que irrompem e se irradiam, tornando-se potencialmente ilimitados, apresentando uma nova configuração.
Conforme o mashup vai surgindo, os contornos de alguns volumes específicos são rompidos. Romper os contornos para construir uma imagem de liberdade foi uma das estratégias do início do Cubismo. A fragmentação das superfícies dos objetos e sua fusão com o espaço ao redor foram descritas como o surgimento de sua fase de “análise”.6 Ali, a perspectiva unificada se deu com o rompimento dos contornos das formas; um conhecimento diferente do objeto representado se originava, a compreensão do objeto tornava-se mais conceitual. Esse conhecimento incluía a exposição da lógica interna e inerente da composição. Do mesmo modo, podemos identificar o rompimento de Barrão dos contornos das formas, bem como a lógica de cada uma das esculturas, à medida que ele demonstra como tudo se junta, transformando as costuras numa informação sensorial importante.
Uma vez dentro do espaço de uma galeria de arte, as coleções/esculturas de Barrão também funcionam de outras maneiras. Não esqueçamos que são obras de colagem (com costuras visíveis de resina epóxi) e que trazem objetos da realidade externa para o universo da arte. Essas esculturas se comportam de modo muito diferente de uma pintura com perspectiva ou ponto de vista central, que requer que o espectador entre visualmente no espaço interior da obra de arte; o resultado é uma atividade introvertida. As esculturas de Barrão, por outro lado, não têm um ponto de vista preferencial e, de fato, é bastante difícil depreender seu contorno exato, como acabamos de mencionar. Ademais, essas esculturas não são introvertidas; elas arremessam suas vibrações e vetores para o espaço da galeria e na direção do espectador (conforme descrito por Brian O’Doherty em sua análise do cubo branco/espaço de galeria e dos efeitos da exposição de colagens e assemblages).7 As esculturas de Barrão palpitam. Vultosas e bastante extrovertidas, elas invadem verdadeiramente os sentidos do observador, que deve, então, descobrir sozinho o melhor ponto de observação, o quanto deve se aproximar da obra, se deve andar à sua volta ou às vezes até mesmo por debaixo da escultura. Além de todo o movimento físico, o espectador também é incentivado a se aproximar para uma investigação visual minuciosa e, depois, se concentrar nos detalhes e nas extremidades, pois Barrão faz as bordas e terminações das esculturas continuarem desmoronando, como uma versão dinâmica de um fractal. Com todas essas empreitadas, o artista proporciona uma experiência que requer tempo. O espectador ativo não consegue entender as esculturas ricas em detalhes num único instante; as obras exigem uma concentração que sugere duração, elas exigem tempo.
O tempo é de fato um componente importante nessas esculturas; tempo não só para andar à sua volta, mas também para apreciar atentamente suas qualidades óticas e táteis. Conforme contemplamos a obra, queremos compreender a escultura inteira, mas nos distraímos com os diferentes fragmentos. E conforme o olhar se concentra nos fragmentos, precisamos de tempo para entender como eles se inter-relacionam, o que despertam em nós, os observadores, e como atuam sugestivamente, revelando nossas próprias memórias. Continuamos a perceber como as esculturas irradiam sua noção de vida e conseguem expressar fantasias poderosas. Tudo isso nos faz querer voltar às nossas memórias, relembrar mundos de fantasia e, depois, avançar até o presente. Sem pressa, identificamos e reconhecemos nossas próprias percepções das obras e como as sentimos.
O trabalho de Barrão talvez seja um bom exemplo da arte que tenta integrar o cotidiano, como o trabalho dos primeiros artistas vanguardistas do século XX (dadaístas, construtivistas russos e surrealistas franceses). Suas práticas artísticas eram antiestéticas (Duchamp defendeu a total ausência do bom ou mau gosto)8 e, como afirmou Peter Bürger,9 eles substituíram a originalidade pela reprodução técnica, destruíram o modo contemplativo da recepção da obra e o substituíram por ações de comunicação e “aspirações de percepção coletiva simultânea” e até de participação. Do mesmo modo, reconhecemos que Barrão não produziu as cerâmicas, elas são reproduzidas tecnicamente, e somos muito tentados a tecer comentários enquanto contornamos as peças, engajando-nos assim numa recepção coletiva e participando ativamente da experiência. Elas parecem tão familiares a ponto de ocuparem um lugar no nosso cotidiano.
Enquanto apreciamos as esculturas sem pressa, uma das primeiras questões que vêm à mente é a particularidade de cada fragmento de cerâmica. Se fôssemos comparar esses fragmentos a trechos retirados, digamos, de um documento escrito, eles seriam considerados citações. Citamos uma frase quando não queremos usar o texto inteiro, mas conseguimos reconhecer o fragmento e imaginar o resto. Entendemos uma citação como uma espécie de unidade independente. Também usamos citações quando queremos transmitir autoridade. Usar uma frase alheia sugere, primeiramente, que somos muito instruídos, pois sabemos como empregá-la, e, em segundo lugar, que controlamos a “linguagem da dominação”. Dominação porque tendemos a não questionar as citações, nós as percebemos como verdade: nos submetemos a elas. Em geral, somente os mortos ou pessoas importantes, “os especialistas”, são citados. As citações nos dominam; elas nos são impostas e não temos um interlocutor a quem possamos replicar; essa foi a postura sobre citações adotada pelo artista conceitual Marcel Broodthaers, famoso pelas esculturas que ostentavam detritos acumulados, como cascas de mariscos e de ovos.
Obcecado por citações, Broodthaers iniciou sua carreira artística em 1964 e, em 1968, aprimorou suas habilidades questionando a autoridade implacável das citações e também de instituições como os museus de arte. Acreditava que os museus isolavam os objetos da mesma forma que as frases citadas são isoladas de seu contexto original. Em suas obras de arte, Broodthaers costumava inserir a palavra museu em letras maiúsculas (para transmitir autoridade) e entre aspas: “MUSEU”. Sua própria teoria sobre o uso de citações origina-se de uma análise que fez da seguinte frase:
“A RAZÃO DO MAIS FORTE É SEMPRE A MELHOR.”
Broodthaers indagava se a frase, que define a razão, estava correta. Ser o mais forte, lembremos, não significa ser o mais verdadeiro. Ele também considerava que uma citação é um tipo de mutilação e, portanto, deveria ser questionada; e que uma citação também implica uma distância da pessoa que fez a afirmação originalmente, e que é nessa distância, nesse limbo, que podemos inserir nossos questionamentos. Por exemplo, sempre podemos perguntar: “quem disse isso?” e “em que contexto?”. Broodthaers argumentava que os símbolos gráficos das citações, as aspas, na verdade interrompem uma afirmação. As aspas omitem a função anterior do fragmento que agora é usado para um fim diferente e ganha autoridade. O novo fragmento, assim isolado de sua antiga função, ganha uma nova estrutura criada e contida por “”, por seus novos limites e fronteiras. Essas divisões, as aspas, foram investigadas por Broodthaers, que tentava descobrir o que existia no espaço que tanto separava como conectava diferentes fragmentos.
Como funcionam os fragmentos de cerâmica de Barrão, suas “citações”? Fazem parte da linguagem da dominação ou existem para serem questionados, à moda de Broodthaers? Devemos observar a citação/fragmento e também seus limites? De fato, poderíamos afirmar que, com um olhar muito instruído, Barrão seleciona cuidadosamente a peça de cerâmica autêntica que utilizará. Sim, há alguma autoridade nisso; ele sabe como empregar suas citações e os fragmentos ganham autoridade uma vez que passam a integrar suas esculturas artísticas. Entretanto, essas esculturas formadas por “citações” certamente não parecem tão imponentes e altivas que o leigo não possa se identificar. Barrão não cita autoridades renomadas (não usa porcelanas Limoges ou louças da Dinastia Ming), ele cita trechos do coletivo e do corriqueiro. Os trechos/fragmentos tampouco parecem nos dominar, pois podemos testemunhar que, agrupados como Barrão os apresenta, não dominam uns aos outros. Na verdade, eles interagem. Nenhuma cabeça de galo é mais importante que a cabeça de um elefante, nenhum vaso branco e azul com jeito de dinamarquês é mais importante que um bule de chá branco e genérico. Todas as citações/fragmentos têm a mesma relevância e presença.
As citações de Barrão não se fundamentam na razão do mais forte, mas são de fato verdadeiras. Suas mutilações, como mencionamos, são resultado de sua própria inspiração e processo criativo depois da manipulação do material, do uso de humor e de alguma improvisação. No seu caso, as perguntas “quem disse isso?” e “em que contexto?” podem ser respondidas com “nós, o povo” e no contexto de “nossa própria cultura popular, o corriqueiro”. Enquanto os fragmentos de Barrão deixam de lado suas funções anteriores e ganham autoridade, seus limites evidentes – as costuras – são igualmente presentes e envolventes. Com elas, assim como Broodthaers faz com suas aspas, Barrão explora uma estrutura que permite tanto separação como conexão.
As costuras tão evidentes que unem os fragmentos de Barrão sinalizam a transparência do meio. O modo como ele nos deixa ver como cada peça se articula com a outra enquanto reconhecemos a individualidade dos diferentes fragmentos faz lembrar uma estrutura organizacional não totalitária e mais democrática. Sem perder sua identidade única, entidades distintas podem se unir verdadeiramente num todo que mantém suas especificidades individuais. Talvez essa estrutura que permite a coexistência de contradições em lugar da essência de cada fragmento seja o aspecto mais relevante de sua obra. Acompanhar essas costuras conforme se movimentam em curvas apertadas, se intersectam, envolvem, continuam fluindo, se bifurcam e até, quem sabe, penetram a peça ecoa o caminho da vida. As costuras tornam a estrutura ontologicamente flexível, porém forte e autossustentável, coletiva, mas mantendo individualidades, conectada, porém separada. Barrão consegue adicionar e subtrair pedaços da escultura porque o sistema é orgânico e permite revisitação e adaptabilidade. O espaço liminar da articulação/costura, tão incrivelmente intricado, permite uma dinâmica composição e recomposição. Os fragmentos são introduzidos simultaneamente e, em seguida, ocultados (sob a superfície) de tal forma que a escultura se torna quase um organismo vivo, feito magma. Com potencial para se transformarem constantemente, estas esculturas sugerem o renascimento contínuo de novas entidades.
As esculturas de Barrão subvertem a função ou conceito do objeto original e revelam relacionamentos imprevisíveis, desde semelhanças inesperadas até contradições inconvenientes. A justaposição livre das diferentes cerâmicas originais estabelece novos conjuntos de relacionamentos entre as partes, apresentando uma nova configuração dotada de infinitas possibilidades. Cada elemento da escultura é libertado de sua antiga função e se une às outras partes para formar uma nova identidade, que escapa da transformação imediata em mercadoria. Com suas esculturas, Barrão se apropria de objetos domésticos da vida cotidiana antes usados indiscriminadamente e os coloca novamente em circulação, com grande equilíbrio entre presença e mistério, uma combinação de potencial ilimitado. Ele nos apresenta diferentes impressões e perspectivas sobre a cultura materialista, utilizando uma abordagem que não se adapta à forma como aprendemos a ver nosso mundo já altamente organizado e mercantilizado. Barrão, em última instância, recorre a uma estratégia que incorpora contradições numa estrutura flexível, uma estrutura que incentiva a constante transformação de fora para dentro e de dentro para fora.
O VERDADEIRO LUGAR DAS COISAS:
SUA NATUREZA INTERIOR, EXTERIORIZADA
Jorge Emanuel Espinho
Seria interessante conseguirmos descobrir e inventar a verdadeira natureza animada dos objetos: a essência viva mais funda que os habita, lá bem escondida e disfarçada por trás da firme máscara de imobilismo e de aparente não ação, não vida. (Pre)Sentir a história que povoam, e que os seguirá, congelados que estão e ficam, num momento rígido de emoção e de aventura. Mas estamos bem distantes da invenção/consciência libertadora e fantasiosa das infâncias, e só sentimos amarrados na relação estreita e objetivada com o que criamos e nos rodeia. Assim – condicionados na rigidez egocêntrica do ser adulto –, parece ginástica impossível o alargar, através desse animismo mágico, uma interação mais criadora com o que nos envolve. (Alargando-nos logo então, também, nesse criar imaginado: aprofundando-nos, projetando-nos, tudo reinventando e fazendo viver, vivenciando.)
Será este o luminoso privilégio que nos é partilhado e encorajado, na obra literal e profundamente fantástica de Barrão. Aqui, testemunhamos deslumbrados esse mundo mágico que se esconde sutil dentro das coisas; e que assim se espraia e se manifesta, se exprime e se relaciona, numa animada reunião ruidosa de gestos e movimentos: em momentos fugazes, mas cruciais, parados num tempo; numa soltura comunicativa e aberta; em forte união e relação. Aqui, os protagonistas – quer representem objetos funcionais ou animais decorativos – revelam finalmente a sua essência e força, em libertada e estimulada interação e fantasia.
À origem/natureza kitsch e de produção massificada dos objetos – distintos e orgulhosos símbolos representativos da cultura de massa –, o artista aplica uma abordagem mais intuitiva que decidida, mais de procura que de encontro, mais de improvisada libertação que de estudada reconfiguração. Na busca disponível pela vida em que lhe vão surgindo, ele os identifica e acolhe; no ateliê lhes retira formatação e algum limite primeiro, depois lhes reconhece e encoraja expressão e expansão, reunião com semelhantes e avanço. E assim vai, a partir desse ambicioso relacionamento, construindo uma irônica obra, em que – saído da reprodução fabril, seriada e estéril – o objeto vem assumir agora um caráter/manifestação único e próprio. E que, certamente, jamais poderia ambicionar ou conseguir sozinho.
Mas aqui a fronteira entre a leve ironia e a carga crítica da obra está bem clara. Pois esta também incorpora, e fortemente, uma séria reação à ordem fabricada das coisas: à formatação da beleza e ausência de critérios próprios; à predefinição – por outrem – das curvas da nossa própria emoção, vida e ousadia. Estas peças, de origem decorativa e funcional linear, transformam-se, às mãos do artista, no resultado/objeto da sua própria mutação e transcendência.
(Isto é feito, sobretudo, através da exploração livre e intuitiva de outras direções e vontades possíveis, que habitam o seu interior cerâmico: subterrâneas, escondidas, vibrantes, infinitas.)
Assim, saídas altivas de um envelhecido mundo decorativo – e já enriquecidas com um pendor animista e psicológico, sincrético e resolvido, mas agora realmente em vida e vividas; renascidas no capricho significativo de um acaso criativo e reconstruídas numa coabitação onírica e maravilhosa, vivenciando e incorporando a sua verdadeira natureza –, estas coisas manifestadas gritam ruidosas da redução tonta que fazemos de todos os objetos, mesmo de nós, e também, claro, de todo um mundo diverso, colorido e pleno.
Em complô retalhado e místico com outras de enriquecedora natureza, nestas obras acontece uma transcendente decisão e causa: a manifestação corporificada do espírito, em barro envernizado, que habita os animais todos e tudo, e todas as coisas. O que o artista aqui faz é escolher – dar forma, reproduzir, partilhar – a fabulosa energia viva que reside, em expectativa morna e mirabolante, cálida e adormecida, no todo e em todos. E, claro, este manifestar uno se ri, grave, alto e ruidoso, da separação ácida e constante que impomos às coisas, a nós mesmos, a um inteiro e descomunal planeta.
Imagina-se aqui uma verdadeiramente fenomenal aventura: reunir num só enorme espaço/tempo todas as esculturas vivas do artista, e logo mergulhar a descobrir essa imensa galáxia colorida de mil seres que se lançam e conversam, se fundem e se separam, se reproduzem e se acalmam, numa liberdade anárquica e fantástica que jamais e sempre se reinventa e se recria. Partindo de novo sempre em tudo, e em tudo sempre de novo se reunindo.
Muito fica sempre por dizer num texto assim tão curto, mas sublinhamos: estas nossas obras nascem cozidas no calor de um fogo sem formatação ou mentira; e bem nos ensinam que, por detrás da cortina de fumo que é a forma rígida predefinida, habita expectante e adormecida toda a possibilidade infinita! Uma brincadeira a ser levada a sério, como bem mostra o efeito final desta alquimia em vida que nos é aqui exemplificada, sublinhada, demonstrada. Assim, aprendamos!
CADERNO DO ARTISTA
Aquarelas
Aquarelas
Aquarelas
Aquarelas
ENTREVISTA
Rio de Janeiro, 6 de outubro de 2014.
Participantes: Barrão, Luiza Mello, Luiz Zerbini,
Tunga, Sandra Kogut e Sergio Mekler.
Tunga
Falávamos sobre o avesso. Você falou do momento de fechar o trabalho, que às vezes você coloca uma luzinha para ver, uma tentativa de ver através do “raio x”. Fale mais desse momento quando a forma se fecha, ou do momento em que ela deve ficar aberta para você ver dentro. Como é isso? Pois na hora que o trabalho se fecha, não se vê mais o que está dentro, vira um segredo seu. Como é isso para você?
Barrão
No interior da escultura tem uma estrutura de metal que ajuda na sustentação dela e várias sobras das peças de louça que acabam ficando para dentro. A estrutura, na verdade, é superfuncional, ela se forma de maneira acidental durante a construção da peça, pela necessidade de escorar uma louça na outra. Isso acontece meio por acaso, com outra função que não a estética. Comecei a reparar que a estrutura interna era bem legal, mesmo sendo feita casualmente, quando estava chegando ao final do trabalho e boa parte já estava completa. É como se fosse a alma do trabalho. Uma vez eu levei algumas esculturas para serem radiografadas. Fiquei curioso pelo que tinha sido construído lá dentro.
Tunga
Aí está o momento de fechamento. O momento em que esta alma se esconde. Eu acho curioso depois você querer conhecer de novo.
Barrão
O que estou tentando é justamente fazer com que isso apareça, trazer para fora do trabalho.
Luiz Zerbini
Relacionando com a pintura, parece um pouco aquele momento em que você para o que está fazendo e limpa o pincel, que é uma coisa que se faz sem pensar, mas depois você nota que aquele negócio tem alguma coisa. Outra coisa que tem a ver com isso é que, quando a escultura fecha, ela fica completamente diferente de como era o interior, mas pelo jeito que ela é construída você tem que considerar o acaso. Hoje em dia menos, porque você trabalha com uma máquina que consegue cortar melhor a louça. Mas antigamente, quando você usava o martelinho, não tinha tanto controle, havia bastante presença do acaso. Quando olhamos, não parece que tem acaso, parece que você pegou aqueles caquinhos todos, foi construindo e a coisa ficou definida. Mas o processo é cheio de acidentes, é uma coisa muito curiosa, não é?
Barrão
Tem muito acidente. No início, eu usava só o martelo e agora o martelo virou uma solução.
Luiz Zerbini
Como era quando você usava o martelo? Explica.
Barrão
Quando comecei a fazer esses trabalhos de louça, eu usava o martelo como ferramenta para partir, quebrar as peças. Só que as paredes desses objetos têm espessuras diferentes, então às vezes ele quebra onde é mais frágil, mais fino. E aquilo ficou muito arriscado. Muitas das vezes eu demorava um tempo para achar uma peça legal e, quando ia bater com o martelo, ela acabava quebrando num lugar que eu não queria. Eu também me cortava muito, porque, como as peças são vitrificadas, os cacos iam ficando cortantes. Quando uso a máquina, com a lâmina apropriada para cortar, ela já dá uma certa lixada. Depois que comprei essa máquina, passei a desenhar onde eu quero cortar e ter mais precisão, mas, como são curvas e volumes, tem horas que a coisa não funciona. Eu planejo, faço um desenho, uma projeção, só que chega na hora e não encaixa, então viro de cabeça para baixo e acaba ficando melhor – os acidentes e o acaso estão sempre presentes. Hoje, quando eu não sei mais o que fazer, depois que já tentei dez vezes alguma posição para encaixar a peça e não rola, eu pego o martelo e quebro, provoco um acidente! Geralmente dá certo! (risos).
Luiza Mello
Mas você vai montando a parte de dentro, a estrutura de dentro? Como você projeta a peça?
Barrão
Eu tenho uma ideia do que vou fazer, do tamanho, da proporção. Quando colo um caco no outro, uso umas peças de metal para ir reforçando a escultura. Essas varetas de metal vão sendo coladas a uma haste central. Parece um pouco com uma palafita, se eu acho que ali vai cair, então coloco mais uma escora, um ferro pra cá, outro pra lá, e vou estruturando, achando o equilíbrio. O que estou querendo fazer agora é tornar visível essa estrutura, colocar esta alma para o lado de fora da escultura, só que ainda não estou satisfeito com as minhas tentativas.
Tunga
Mas você parte de uma ideia, como é essa ideia? É a ideia de um objeto ou são os objetos que evocam uma forma ou o novo objeto que vai fazer? Como é esse primeiro movimento, como começa a aparecer?
Barrão
Existem caminhos diferentes. Um dos caminhos é pensar em uma ideia e procurar os objetos relacionados ao assunto. Fazer uma coleção. Cores, formas e classes. Essa procura e a criação de um acervo são a primeira parte do processo. O trabalho já está acontecendo. É engraçado isso... Em que momento começa a obra e quando ela termina? Poderiam ser as estantes do ateliê que estão cheias de coisas organizadas de um jeito muito particular, aquilo poderia ser o trabalho...
Sergio Mekler
A organização parece que já direciona para algum lugar, já é um jeito de você ver aquilo.
Barrão
É a classificação! E antes disso é a procura.
Tunga
Nós frequentamos juntos a Praça XV e outros lugares. Será que o olhar já não começa mesmo antes disso, no caso, nesses passeios à procura dos objetos? Os objetos que acham você, de repente.
Barrão
Eu vou nessa total.
Luiz Zerbini
Eu já fiz a experiência de ir atrás do Barrão, só para tentar entender qual era o critério de escolha. É a coisa mais louca do mundo. Eu ia atrás olhando, então via um negócio e pensava: ele vai pegar esse com certeza! E ele passava reto e me dizia algo do tipo: não, hoje eu só estou comprando elefantes. Mas aí ele passava por vários elefantes e não comprava. O critério é mesmo um negócio absurdo.
Sandra Kogut
Você às vezes vai com uma ideia de um negócio que quer achar?
Barrão
Às vezes eu vou com uma ideia de um objeto do qual estou à procura. Há dias em que eu compro de tudo o que acho pela frente e depois organizo no ateliê.
Sandra Kogut
Tem um estoque enorme, então! (risos)
Barrão
Agora, tem a escolha do objeto. O Luiz, com quem eu trabalho há anos, acompanha esse processo. E teve esse dia em que estávamos na praça e ele falou: você não vai comprar esse negócio aí? E eu disse: não, esse aí acho que não. E ele falou: eu não consigo entender! (risos) Mas eu também não consigo entender. Essa é uma questão que está presente agora, sobre onde começa o trabalho, e se os objetos nos procuram. Eu acredito muito nisso, acredito em um ritual. Tinha uma época em que eu ia muito à feira da praça XV, e quando eu não fazia o trajeto de sempre, entrava por outro caminho e pensava: hum, sabia que não deveria ter vindo por aqui! (risos) Será que é superstição, que eu só vou achar porque entrei por esse tal lugar? Eu acho que isso funciona. É uma maneira de olhar a feira, o mapeamento dela já está um pouco organizado na minha cabeça. Tem que estar muito atento para achar as coisas. Mas os objetos às vezes vêm ao nosso encontro. Uma vez fui comprar material em um ferro-velho, há um tempão atrás, um ferro-velho que tinha no Leblon, em frente ao Hospital Miguel Couto. O cara estava carregando o caminhão com um monte de sucata e eu vi uma escova elétrica. Na hora, pensei: essa escova é legal pra caramba! Naquele momento, o cara enfiou a pá na escova elétrica e jogou para cima do caminhão. Eu fiquei meio tímido, não tive a atitude de pedir para ele esperar. Aí pensei: perdi a escova elétrica! Daí a pouco, o outro homem que estava em cima da caçamba do caminhão pegou a escova e falou: ué, o que é isso aqui?! E jogou pra fora do caminhão.
Sergio Mekler
Ele te devolveu! (risos)
Barrão
É, ele me devolveu. Eu tenho até hoje essa escova! Isso acontece com frequência. Outro dia fui à casa do meu pai e achei num armário uma extensão de telefone, um fio todo enrolado, ninguém mais usa isso. Eu trouxe pra casa e joguei fora no lixo. Um ou dois dias depois, quando estava chegando em casa, tinha um caminhão da Comlurb parado em frete ao meu prédio, carregando o lixo. Jogaram o saco plástico e o fio caiu do caminhão, ficou na calçada, eles não viram, foram embora e deixaram o fio. E eu pensei: não é possível! (risos) Então, esses objetos aparecem, eles voltam.
Sandra Kogut
Estou pensando aqui, porque eu não acompanhei um pedaço grande de seu trabalho e, ouvindo isso tudo, fico pensando: eu vejo uma continuidade tão grande do trabalho que você fazia há muito tempo atrás, que foi o que eu acompanhei mais. Você indo procurar objetos em ferro-velho, do mesmo jeito que vocês estão falando das louças, e todo mundo achava que você ia querer esses objetos. Todo mundo tinha um aparato doméstico que não queria mais, e falava “vou dar para o Barrão!”. E a dificuldade com o acidente, da qual você falava há pouco, quando você fazia aqueles trabalhos com as televisões, elas também tinham o som, que era um som que rolava na hora, uma programação sobre a qual você não tinha controle. Minha pergunta pode ser um pouco óbvia para todos, mas como surgiu a ideia de começar a trabalhar com a louça, como foi essa passagem? Quando começou e como?
Barrão
Essa história da escova elétrica é daquela época. Na verdade, eu vinha trabalhando com esses eletrodomésticos, ligando uma coisa na outra, e aquilo quebrava muito, dava muito trabalho.
Luiz Zerbini
Aí você pensou: vou trabalhar com louça que quebra menos! (risos)
Barrão
Uma vez, tive uma ideia de um trabalho feito com objetos de louça, souvenirs de louça quebrados e colados novamente. Muito tempo depois, executei esta ideia. Senti uma possibilidade muito boa de trabalhar com esse material, porque, na verdade, o processo do trabalho continuou o mesmo, só que, ao invés de eletrodomésticos, são peças de louça. A possibilidade de trabalhar com as formas, misturar uma figura com a outra, transformar esses volumes entrando um dentro do outro me animou muito. Com este material, comecei a fazer isso com muita facilidade, de uma maneira muito natural, sem muito esforço.
Luiz Zerbini
E os objetos têm um significado, cada objeto que você escolhe é alguma coisa?
Sandra Kogut
E tem a vida passada dele.
Tunga
Você usou a expressão souvenir de louça, ou seja, lembrança de louça. Cada pedaço, cada louça dessa tem uma história, como os outros objetos tinham também. Como é sua relação com a história passada desses objetos que já preexistiam, que te escolhem?
Barrão
É, todos têm uma história.
Tunga
Mas pergunto se isso está presente no trabalho.
Barrão
Não sinto tanto isso, não penso muito nisso. Esses objetos, quando se juntam aos outros, acabam perdendo muito das suas referências e qualidades, se transformam em outra coisa. Quando vou trabalhar, não fico pensando nessa carga emocional ou de memória.
Luiz Zerbini
Não objetivamente. Mas eu acho que o seu trabalho tem muito humor. E o fato de eles terem um símbolo ou de significarem alguma coisa facilita para você ir juntando, você vai criando histórias, você vai levando a outra história. Acho que isso é uma coisa muito particular que funciona muito bem dentro da maneira como você faz as coisas.
Barrão
É, uma coisa vai puxando a outra. Sobre a memória dos objetos, me lembrei de um trabalho recente que fiz usando canecas de festivais de chope. A caneca é um objeto de louça que tem uma carga de memória muito explícita: vem escrita a data, o lugar onde aconteceu determinado evento, o nome dos homenageados etc. E eu comecei a fazer umas toras, uns troncos com essas canecas e empilhei os troncos criando uma forma estilizada de fogueira. Como este empilhamento é uma organização geométrica, apareceram vários espaços vazios à medida que eu ia montando, quadrados e retângulos. Eu comecei a entrar numa de que a geometria, que é fria e calculada, estava sendo construída por elementos carregados de memórias, sentimentos e lembranças. Então, nesse trabalho, pra mim aparece muito a situação da memória construindo uma forma na qual ela acaba se abstraindo, porque são muitas as referências de memória. Perde-se a memória na formalização. O que acontece com vários desses objetos é que eles geralmente têm uma função, e essa função desaparece, eles se transformam, perdem a função original, porque junta um bule com um tigre e vira outra coisa. Eles perdem também as suas qualidades: por exemplo, se são objetos muito sofisticados esteticamente ou mais populares, acabam se misturando de uma maneira e virando um só, uma outra coisa que não é mais aquela.
Sandra Kogut
Mas não é que eles perdem, porque continuamos a ver as camadas, ainda vemos o que eles foram e ao mesmo tempo vemos o que estão sendo.
Barrão
É, mas eles perdem a função, já não são mais um bule, um tigre.
Sandra Kogut
É um desvio, mas ainda se reconhece, isso é muito legal
Barrão
Sim, se reconhece, mas eles viram outro objeto, que não sei mais para o que serve exatamente.
Luiza Mello
Arte!?
Sandra Kogut
Lembrei uma frase do Mário Quintana de que você gostava. Como era mesmo?
Barrão
“Porque a sucata na verdade – seja o que for que ela tenha sido – é um mero estado transitório do material em disponibilidade. Não tem nada de trágico, a sucata é o material em férias...” (risos)
Sergio Mekler
Mas esses trabalhos novos são de objetos menos singulares, não há tanto a figura. Já é outra memória, não parecem objetos que foram de alguém.
Barrão
Eles são mais secos, são mais brutos. Quando eu estava montando minha última exposição, em 2014, tive pela primeira vez a sensação de que tinha virado escultor, porque os trabalhos tinham volume, massa, cor, também uma escala maior do que a que estou acostumado a fazer. E achei que era isso mesmo, que dava uma impressão de uma coisa mais bruta. Porque nos outros trabalhos existem muitas situações, detalhes que exigem uma aproximação, a pessoa pode se perder numa relação mais aproximada, mergulhar no trabalho, o trabalho tem uma narrativa, você pode se perder ali. Esses mais recentes acho que pedem, impõem uma distância maior, se relacionam mais diretamente com o corpo, com o volume, com a escala humana.
Luiza Mello
E como foi essa passagem?
Barrão
Nessa última exposição, eu estava com muitas possibilidades e vontades, uma delas era tentar trabalhar com o avesso. Mas também estava querendo fazer algo um pouco mais ágil, que pudesse ter mais o gesto, porque o trabalho com as louças é um pouco lento, demora, tem um tempo de cura da cola etc. E eu vinha pensando muito na questão da escala também. Então, uma hora comecei a achar que a exposição ia ficar ruim, exatamente por estar nesse momento com tantas direções, tinha pouco tempo e eu não sabia muito bem que caminho tomar. Acabei decidindo fazer uma exposição com trabalhos menos figurativos.
Luiz Zerbini
E como foi a experiência de trabalhar na Bordallo Pinheiro com argila mole? Porque nos seus trabalhos você usa o objeto já queimado. Quando você foi para a China, onde havia a possibilidade de trabalhar com o forno, achei que teriam duas possibilidades: você trabalhar com outra escala e trabalhar com argila mole .
Barrão
Na Bordallo Pinheiro foi uma experiência legal, o Tunga esteve junto lá nessa temporada, em Caldas da Rainha, Portugal. Eu nunca tinha feito um trabalho com barro mole, antes de ser cozido. Primeiro eu escolhi as peças da produção da fábrica, do universo do Bordallo e depois, com elas ainda frescas, com o barro mole, comecei a montar. Só que vários trabalhos que eu faço têm uma questão da estrutura, de criar um desequilíbrio, de fragilidade: como uma parte pequena sustenta um volume tão grande? Como aquilo pode estar pendurado por uma peça tão frágil? Não podia usar as estruturas internas para reforçar as peças. As minhas primeiras tentativas não deram muito certo, mas depois foi muito produtivo; quando eu entendi como trabalhar com o barro ainda mole, o trabalho fluiu.
Luiz Zerbini
Ao mesmo tempo, fazer, queimar e quebrar seriam coisas totalmente fora de propósito.
Barrão
É, e lá ia ter uma tiragem grande, então tinha que produzir daquele modo.
Luiza Mello
E no final como você chegou à peça?
Barrão
Fui sentindo o esquema, às vezes tem que escorar para a peça ir secando antes de ir ao forno. Tinha o problema do molde também, porque a peça ia ser produzida industrialmente. Mas nessa temporada trabalhamos bastante, todos os dias, fiz seis trabalhos. Foi ótimo, no final você engrena no trabalho e vai acontecendo. Tive uma experiência com a cor, porque eles iam ser pintados depois, aí comecei a pensar na possibilidade de pintar a escultura. Quando rolou o convite para ir à China, fiquei pensando em usar a pintura, pensei bastante na pintura dos vasos chineses, de pintar junto com as pessoas que trabalham com isso lá. Mas na China não consegui fazer um trabalho mais industrial.
Sandra Kogut
E você acabou fazendo o quê?
Barrão
Fiz um trabalho pequeno, usando a repetição da mesma imagem. Foi um sufoco. Eu tinha um assistente que não falava nem inglês...
Luiz Zerbini
Mas você pensou em voltar para lá depois, não.
Barrão
Eu fui pra Jingdezhen, uma cidade com tradição muito grande em louças. Soube que lá havia um forno milenar, achei incrível – um forno queimando há anos, sem parar! Mas quando cheguei lá, descobri que o forno estava desativado havia não sei quantos anos e que o lugar tinha virado um museu. Quando visitei o museu, vi que para transportar os vasos eles faziam uma trança de palha: esse trançado é o tataravô do plástico bolha. Os vasos eram embalados com essas tranças e colocados dentro de caixas de madeira. Tive a ideia de fazer um trabalho que, ao invés de quebrar e colar, faria a união desses vasos com as tranças de palha. Uma peça pendurada na outra.
Luiza Mello
Barrão, gostaria que você falasse mais sobre o trabalho em grupo, em conjunto, em dupla, com o Chelpa Ferro. Porque isso sempre esteve presente na sua trajetória. Fale um pouco da sua parceria com a Sandra.
Barrão
Nós tínhamos 20 e poucos anos, estávamos descobrindo muitas coisas, fizemos alguns vídeos. Mas era tudo um pouco extracurricular, eram experiências, descobertas.
Sandra Kogut
Outro dia alguém me falou de um vídeo que fizemos de uma geladeira na rua, lembra? Eu nem lembrava mais.
Barrão
A G... profunda, esse era o nome. (risos) Era uma geladeira que tinha um olho mágico em cada um dos lados e rodinhas. Um posto de observação móvel. As pessoas entravam e ficavam andando com ela. Levamos para as ruas de Ipanema e ficamos circulando por lá. O Bussunda era o entrevistador, isso foi antes do Casseta & Planeta na TV. Ele perguntava para os passantes que objeto era aquele, para o que servia. Fomos em um frigorífico entrevistar um funcionário, e perguntamos: “Quantas pessoas cabem aqui nesse frigorífico?” Aí o cara pensou e perguntou: pessoas humanas? (risos).
Luiza Mello
A sua primeira dupla foi a Sandra?
Barrão
Não, porque essa dupla não foi formalizada. Fizemos esses vídeos, mas eram parcerias. Nessa época, eu já estava trabalhando com o Alexandre Dacosta e o Ricardo Basbaum.
Sandra Kogut
Quando nos conhecemos, Barrão já tinha a colaboração com o Seis Mãos. E nós fomos fazendo uns vídeos, fizemos várias coisas, mas era misturado com nossa vida.
Barrão
Aí a Sandra foi ficando cada vez mais com os vídeos. (risos).
Sandra Kogut
E era uma fase de muitas descobertas, o vídeo era uma novidade e o Barrão trabalhava com os eletrodomésticos.
Barrão
É, foi sim. Nossos primeiros trabalhos. Fizemos uma performance juntos, você, Basbaum, Dacosta e eu. Outro dia alguém lembrou que foi no Mistura Fina. Na performance, era tudo fechado e tinha uma câmera que transmitia para televisões, o nome era O caso da menina loura que ficou com o braço mulato. Era uma boneca, pintávamos um braço e fazíamos uma operação cirúrgica para tentar modificá-la, mas não havia solução e no final a embalávamos em uns plásticos transparentes para que, no futuro, uma ciência mais evoluída pudesse dar continuidade ao tratamento. A Sandra era a enfermeira que filmava. (risos) E nós, de jalecos brancos, ficávamos fechados no palco com tudo sendo transmitido pelas TVs.
Luiza Mello
Isso foi no início dos anos 1980?
Barrão
Sim.
Sandra Kogut
Barrão, você não tem a impressão de que essas coisas eram todas meio marginais, elas não contavam muito, o vídeo era um negócio que mal existia. Não era meio assim?
Barrão
Era tudo meio marginal porque não existia um circuito, o circuito era totalmente à margem.
Sandra Kogut
Você falou em extracurricular. Essas ferramentas não eram oficiais para fazer os trabalhos. Não era assim?
Barrão
É, o circuito era precário e essas coisas aconteciam, talvez, de uma maneira muito mais relaxada, e a vontade de fazer era grande.
Sergio Mekler
Não tinha um objetivo. Essas coisas não eram feitas para se chegar em algum lugar. Era só fazer.
Barrão
Os objetivos não eram tão diretos. Você não fazia aquilo para conseguir ser tal coisa, ou porque ia virar alguma coisa...
Sandra Kogut
Não ia entrar em lugar nenhum. Nem tinha lugar no mundo da arte, hoje em dia o vídeo tem um lugar.
Luiza Mello
Nem tinha mundo da arte no Brasil naquela época.
Barrão
Tinha mundo? (risos) E com relação ao trabalho em colaboração ou grupo, depois disso veio o Chelpa Ferro, que está ativo até hoje, estamos trabalhando há vinte anos, é realmente surpreendente.
Tunga
O Chelpa mantém esse espírito mais de liberdade e descompromisso de que você estava falando, né? Tem até um depoimento em um vídeo falando de como surgiu o Chelpa. Fale um pouco sobre como foi.
Barrão
Nos juntamos para tocar, queríamos tocar. A ideia sempre era a de fazer o que queríamos. Claro que somos rigorosos com várias coisas, vocês estão aí e sabem disso. (risos)
Tunga
Mas é o que tem no depoimento, que a ideia do Chelpa era fazer tudo o que estavam a fim de fazer.
Barrão
Ainda é. Nós criamos um espaço nas nossas vidas para o Chelpa acontecer com muita liberdade. Logo no início, lembro que o Luiz falou com o Thomas Cohn para fazermos uma exposição lá na galeria dele, e trabalharmos com ele, e o Thomas falou para o Luiz: “Ah! Mas vocês são um grupo, e se vocês acabarem?” (risos)
Tunga
Como se um indivíduo não acabasse, fragmentados como somos.
Barrão
É. Mas a ideia de um grupo trabalhar numa galeria, ter uma carreira comercial, para ele era totalmente sem sentido. E o Chelpa pra mim foi uma coisa bem legal, pois eu pude continuar a minha tentativa de experimentar a música. No Seis Mãos eu penava para acompanhar o Ricardo e o Alexandre, que tocam superbem. (risos) Quando eu ia tocar com eles, eu que tocava mal pra caramba, tinha que usar muitos artifícios, como eletrodomésticos, percussão visual etc. Com o Chelpa Ferro, partimos todos do zero, começamos juntos inventando uma maneira de tocar, de fazer som; já tínhamos tido algumas experiências e seguimos nesse sentido.
Luiz Zerbini
Contando com a tecnologia, que ajudou muito.
Barrão
É, a tecnologia a nosso favor. O Chelpa Ferro é engraçado porque às vezes trabalha com alta tecnologia e com as maiores gambiarras.
Sergio Mekler
Com exceção de você, talvez, nós não sabemos mexer em tecnologia nenhuma. (risos) Tem aquele teclado do Luiz que ele abre o manual, tem um passo a passo que nunca funciona. Você é o único que sabe mexer com eletrônica.
Barrão
Mas sabe uma coisa que eu acho legal no jeito do Chelpa funcionar? É que nós temos uma liberdade incrível. Poucas foram as vezes que alguém falou “não faz isso”. Quando isso é dito, é porque a coisa deve estar mesmo incomodando muito. (risos) O Sergio outro dia falou pra mim depois de um show: aqueles timbres que você usou, não usa mais não. (risos) Nunca mais vou usar aquilo! Deve ter sido horrível. (risos) Vocês não acham isso, que temos muita liberdade?
Sergio Mekler
É, totalmente.
Luiza Mello
E durante um tempão o Chelpa foi sua atividade artística principal. Isso é uma questão para o seu trabalho individual, ou não? Lembro que você ficou um tempo fazendo coisas, porém mais afastado do circuito das artes.
Barrão
É que chegou uma hora que ficou difícil pra mim, não estava conseguindo entrar no circuito como eu queria, por vários motivos, até por uma dificuldade enorme minha de negociar. Sei lá, começou a não rolar direito, eu tinha que ganhar grana então fui trabalhar com outras coisas. Fiquei trabalhando menos sozinho e mais com o Chelpa. Tem um momento que trabalhar em grupo facilita.
Sandra Kogut
E isso ajuda? Porque o trabalho é sempre uma coisa um pouco solitária, quer dizer, o seu outro trabalho, individual. E aí o Chelpa dá aquela segurança, aquele conforto para você aguentar, isso existe?
Barrão
Ah! Não fico muito desesperado assim no ateliê não.
Sandra Kogut
Mas vocês conversam sobre o trabalho de cada um fora do Chelpa, e isso alimenta?
Barrão
Eu acho que o que acontece é que nós acompanhamos bastante o trabalho um do outro. O Chelpa se reúne no ateliê do Luiz, eu estou sempre vendo como a pintura está acontecendo e o que mais ele está fazendo. Ele é meu amigo há não sei quantos mil anos, então estamos sempre trocando ideias, falando sobre os nossos trabalhos. Isso rola direto, com o Tunga e com o Sergio também.
Sandra Kogut
É, mas às vezes ter um negócio tão oficial de um coletivo, fico pensando que pode ser uma coisa mais importante você ter isso na sua vida, no seu trabalho. Claro, você sempre conversa com seus amigos sobre o trabalho, mas nesse caso parece uma coisa mais concreta que vocês têm.
Barrão
É mais que uma parceria muito grande de longa data.
Sandra Kogut
E no seu trabalho individual, você tem a sensação de que ele é compreendido, que as pessoas estão entendendo, estão acompanhando? Como você sente isso?
Barrão
Essa coisa da compreensão eu ainda não entendi como é. Porque às vezes você acha que está tudo tão claro, mas existem muitas camadas de entendimento e as pessoas falam coisas tão loucas que você nunca pensou!
Tunga
Mas que estão lá, não é?
Barrão
Claro que estão. E acho bom quando isso acontece. Quando uma pessoa fala com a maior certeza que percebeu alguma coisa que você nunca imaginou que estivesse ali, me parece que o trabalho está despertando, conectando-se com os outros de uma maneira bem ampla, independente.
Sergio Mekler
Eu acho que o seu trabalho se comunica bem, vendo a reação das pessoas, do público. Até pelo humor, por uma graça que tem, e por ser possível reconhecer coisas ali.
Tunga
Tem um princípio pop no trabalho desde o início.
Barrão
O meu trabalho tem uma ligação direta, não sei se é a familiaridade das pessoas com esses objetos, uma certa intimidade com o material, tem o humor também. Mas uma vez, falando com alguém sobre a dificuldade de vender aqueles trabalhos dos anos 1980 feitos com eletrodomésticos, ela me disse: “Também, as pessoas acabaram de jogar essas coisas fora, e você quer que elas comprem tudo de novo e ainda por cima muito mais caro!” (risos) Já os trabalhos de louça, não sei se é o brilho do material vitrificado, as pessoas querem ter, é engraçado isso. Eles entraram no hall dos desejos do consumo, eu sinto que existe uma vontade de comprar, de ter o objeto, que antes eu não sentia no meu trabalho.
Luiz Zerbini
Eles são é muito bons. São sedutores. E tem um negócio de cor que é incrível, o jeito que você usa a cor é muito bom.
Barrão
O uso da cor melhorou muito. Os primeiros trabalhos eram mais rigorosos e econômicos. Agora estou usando mais cores. Os trabalhos ainda obedecem a várias regras, mas acho que estou conseguindo usar melhor a cor.
Luiza Mello
Barrão, gostaria que você falasse sobre os desenhos. É uma coisa que não vemos muito, mas que você faz. Fala um pouco sobre como você trabalha com desenho e projeto.
Barrão
Eu sempre gostei de desenhar. No início, eu não tinha muito assunto, gostava de ficar desenhando, mas não sabia o que fazer, achava que os desenhos não se sustentavam muito. Aí um dia resolvi fazer como se fossem projetos, estudos, antes ou depois dos trabalhos ficarem prontos. Agora para o livro, resgatei uns cadernos antigos, eu nem lembrava que tinha tanta ideia ali desenhada, e de uma maneira engraçada também. Tem colagem, letra de revista colada, umas coisas estranhíssimas. Tem um de que gostei muito, que é o projeto de um concurso de escultura da Praça Mauá: o desenho era um robô com um relógio no peito, e depois eu cortei e colei de uma revista a foto de uns engenheiros em uma praça. (risos)
Sandra Kogut
E você continua fazendo esses desenhos?
Barrão
Continuo. Tenho feito aquarelas.
Sandra Kogut
Como foi a ideia de colocar na sua última exposição?
Barrão
Fazia um tempo que não mostrava desenhos em exposições. Essas aquarelas partiram das esculturas, mas são mais soltas, são bem lúdicas e se utilizam desse universo dos trabalhos.
Luiza Mello
E as colagens?
Barrão
Eu tenho feito umas colagens também. Eu lhe dei uma, de papelão com uns desenhos que eu fui achando. Teve uma época em que eu fiz o mesmo processo de acumular material como eu faço com as esculturas. Juntei muitos pedaços de desenhos e anotações de outras pessoas, papéis que eu ia achando por aí, e emendando com uma fita prateada. Agora comecei a fazer uns usando embalagens de papelão com os produtos estampados.
Tunga
Tem uma coisa de que não falamos, que é sobre as performances dos anos 1980. Como elas evoluíram? Elas estão presentes no seu trabalho hoje?
Barrão
Nos anos 1980, fiz muitas performances com o Seis Mãos. Algumas ações e outras mais no formato de espetáculos.
Tunga
É que naquela época não era muito usual, não existia um circuito. Hoje em dia a performance é uma forma reconhecida pelos museus, comprada e vendida. Historicamente isso deveria ser descrito como um momento superimportante, aquilo que vocês fizeram, vocês faziam com uma leveza e tinha uma contundência. Então, como isso chega no trabalho, hoje em dia?
Barrão
Acho que o improviso musical do Chelpa tem muito do espírito da performance. Durante um determinado tempo, você entra em ação. Eu gostaria de convidar o meu amigo Ricardo Basbaum para comentar mais sobre o Seis Mãos e a performance.
Ricardo Basbaum
O Seis Mãos (eu, você e Alexandre Dacosta) se formou em grande parte porque todos nós já tínhamos ações e interesses para além do campo das “artes visuais” – seja no teatro, na música ou no cinema. Já havia entre nós uma “vontade intermídia”, e acho que por isso nenhum de nós três ficava satisfeito em apenas passar as tardes no silêncio e isolamento de um ateliê: queríamos ir para a rua, encontrar as pessoas, fazer coisas ao vivo, em grupo, em coletivo. Essa vontade era muito diferente daquela dos “pintores”, e isso determinou nosso direcionamento para a performance – uma área generosa, que acolhia mais a experimentação do que o ambiente de pintura que havia no Rio de Janeiro naquele momento (é preciso lembrar que havia no ar o clichê da “volta à pintura”). A vontade de experimentar linguagens nos levou à performance, e nos quase dez anos do Seis Mãos misturamos pintura, desenho, música, vídeo, fotografia, situações cênicas, textos e muitas outras coisas. Acho que essa liberdade que tivemos de experimentar linguagens deixou uma marca forte nos trabalhos que fizemos depois, individualmente ou em grupo – isso é bem claro para mim. A experiência do Seis Mãos foi muito boa, porque, enquanto a maioria dos jovens artistas ficava demarcando seu espaço de trabalho a partir da pintura, a gente foi construindo um horizonte mais aberto, mais voltado a uma tradição de risco dos anos 1960 e 1970, que incluía também o trabalho em grupo.
Sandra Kogut
Lembro também de uma época em que você trabalhou com os circuitos eletrônicos e com esculturas. Teve uma exposição no Ibeu em que você atendia um telefone que fazia ligar um aspirador do outro lado da sala. Isso tudo tem super a ver.
Barrão
Essa exposição tinha seis telefones em uma das paredes que, quando eram tirados do gancho, ligavam os trabalhos no resto da sala. Isso provocava um funcionamento de sons e movimentos únicos. Dependendo do número de pessoas que estivessem usando os telefones, a exposição reagia de um jeito, um carrinho com uma câmera que ia andando e gravando, uma ação aqui provocava uma reação lá. Uma gambiarra danada inspirada na teoria do caos.
Sandra Kogut
E aquele grupo A Moreninha?
Barrão
Era um grupo de artistas que tinha como atividade inicial visitar os ateliês e falar sobre o que cada um estava fazendo. Inventamos a história de que Manet teria dito que a luz da Baía de Guanabara era a melhor luz para uma pintura impressionista, e fomos todos para Paquetá de barca fazer pintura ao ar livre, divulgamos na imprensa e a TV Globo mandou uma reportagem lá. (risos) A repórter perguntava quando Manet teria dito isso e nós falávamos que não se sabia ao certo. (risos) Ela ficou nervosa, dizendo que estávamos de brincadeira. (risos)
Luiz Zerbini
E o sapato da Bienal?
Barrão
Pois é, esse sapato nunca foi aceito. (risos)
Luiz Zerbini
Outro dia eu estava na Bienal conversando, não me lembro com quem, e eu comentei que o Barrão nunca participou de uma Bienal, e a pessoa falou: “Como assim nunca participou?” E eu falei que ele já tinha mandado um projeto, uma caixa de sapato com um sapato que tinha um motor, você colocava o sapato no chão, ele andava sozinho, batia na parede e voltava. Aí a pessoa falou: “Isso era dele?! Essa caixa chegou sem nada escrito, era uma caixa com um sapato dentro, nunca soubemos de quem era.” (risos)
Barrão
Mas o Marcio Doctors, que foi do júri ou do conselho, me disse que o pessoal estava muito dividido em relação ao sapato. (risos) Acho que o problema foi que eu mandei um pé só. Era um sapato com um motor de um carrinho bate-volta.
Luiz Zerbini
Isso foi da época em que se mandava projeto para a Bienal.
Barrão
Eu achei um projeto muito engraçado nesse caderno antigo, muito engraçado. Tem a ver com este sapato, são dois objetos descritos – objeto um: um motor desse bate-volta em uma bacia de alumínio coberto por umas perucas; objeto dois: cinco homens carecas. (risos) Era uma sala com os carecas conversando e as perucas ficavam andando em zigue-zague pelo chão.
Luiz Zerbini
Isso é totalmente performance! E sempre tem humor, nesse caso é quase uma piada. E os nomes dos trabalhos são muito bons, há uns comentários engraçados.
Tunga
Fala um pouco sobre os títulos. São sempre surpreendentes.
Sergio Mekler
Eles dão um sentido.
Barrão
Alguns títulos aparecem e me guiam.
Luiz Zerbini
Tem um que chama As águas vão rolar, não tem?
Barrão
Tem muitos que são ditados populares.
Luiza Mello
Esse é um de canecas. A maioria dos trabalhos tem título?
Barrão
Um deles foi inspirado numa marchinha de carnaval do Chacal. Eu pedi permissão para adaptar a frase dele: Nasceu um rabo no meu souvenir. (risos) Achei que tinha tudo a ver com o meu trabalho.
Luiza Mello
Mas como é o título, que horas aparece? Vem depois que acaba, vem no meio? Quase todos têm título, né?
Barrão
Às vezes vem na hora e o título faz o maior sentido. Tem um que se chama Lugar nenhum – o nome caiu perfeito, porque é uma casinha de louça tridimensional suspensa entre dois vasos com paisagens pintadas. A casa se integra perfeitamente à perspectiva da pintura dos vasos, são todos com o mesmo azul. É um título que acrescenta muito à ideia do trabalho. Nesses grandões agora eu coloquei o nome de Morretão, porque eles pareciam aqueles baseadões.
Tunga
Eu estava vendo aqui agora essa peça com fundo das canecas. É curioso porque é uma soma dos vazios, é um grande oco feito de ocos.
Barrão
Tem uma coisa que eu gostaria de fazer: moldar esses ocos. Materializar o oco me dá vontade.
Luiz Zerbini
Isso pode ser interessante para você entender sobre seu avesso. Quer dizer, não é o avesso, mas é o lado de dentro.
Barrão
O ateliê tem que ter uma agilidade para executar essas ideias, essas ideias às vezes ficam paradas. O meu ateliê é muito devagar.
Sergio Mekler
É que é muito você ali sozinho. É engraçado, você sempre esteve em grupo, mas ali é você sozinho, você não consegue ou não quer.
Barrão
Eu tenho um assistente, mas tenho muita dificuldade com isso. Primeiro porque não sei muito dar ordem, e no ateliê você tem que falar: faz isso, faz aquilo. Esse tipo de planejamento e organização pra mim é muito difícil. Eu gosto de ir lá fazer, de ficar fazendo. Acaba ficando mais lento. Isso é uma coisa em que eu senti uma diferença bem grande, quando nós começamos a trabalhar com o Chelpa, um momento de delegar os trabalhos, lembram disso? Isso pra mim foi incrível, porque até então era uma experiência inexistente, eu nunca tinha feito isso. Ali nós percebemos que determinadas coisas aconteciam melhor quando delegávamos para alguém fazer. E é ótimo, o trabalho ganha com isso, de um jeito legal. Mas o meu trabalho precisa de um acompanhamento de perto.
Luiz Zerbini
É uma coisa que tem que fazer no ateliê também. Tem uma questão com o espaço, se não você vai ficando meio sufocado. Se alguém pode fazer tal coisa em outro lugar, isso alivia o espaço.
Barrão
É, quando são coisas muito grandes.
Luiz Zerbini
Mas você também gosta de fazer umas coisas de que não precisa gostar, tipo fazer uma tomada. Tem um prazer aí.
Sandra Kogut
Tem uma coisa com o artesanal.
Barrão
É, tem isso, eu gosto de fazer.
Sandra Kogut
Você acha que tem uma pressão para mudar a escala do trabalho e da maneira de fazer? Porque teve uma hora que você falou: me senti como um escultor.
Barrão
Essa sensação ali, quando me senti como um escultor, tem a ver com o volume e a escala. É sempre bom tentar ampliar os limites.
Luiza Mello
Mas essas esculturas novas, maiores, são mais rápidas?
Barrão
Não, dão muito trabalho.
Luiz Zerbini
Acho que são mais rápidas, demoram para fazer porque são pesadas, por outro motivo, mas dá para ver que são mais rápidas.
Barrão
Elas são mais difíceis de fazer. O material é mais duro, tem que usar uma máquina mais potente para cortar, faz muita poeira, as peças são mais pesadas, não dá para segurar sozinho. Por serem grandes e pesadas, tenho que ficar circulando em torno delas. Senta, levanta, sobe e desce da escada... Escultura é um pouco isso, é bruto. No final do dia eu tô quebrado.
Luiz Zerbini
Eu achei que já vinha cortado.
Barrão
Não, tem que cortar. Eu fiz umas projeções. Tive que desenvolver uma técnica de como estruturar um negócio tão grande, usando esses ferros. Toda parte de estrutura teve que ganhar resistência etc. Eu arrumei um laser para projetar a linha de corte.
Sandra Kogut
Mas às vezes você fazendo vai encontrando coisas do trabalho que não encontraria se outra pessoa fizesse.
Barrão
As soluções aparecem durante a feitura do trabalho, parte da criação acontece na construção. Não dá para delegar e voltar muito tempo depois. O que dá para um assistente fazer é ajudar a cortar, preparar a cola, fazer a junção de durepoxi. Mas não dá para eu falar “Vai fazendo esse trabalho que à tarde eu chego para dar uma olhada”.
Sandra Kogut
Seu trajeto sempre teve uma coisa meio irreverente. Fica parecendo que ter um ateliê funcionando com um monte de gente vai para outro lado.
Barrão
Eu aprendi fazendo. Fui descobrindo como era possível fazer o que eu queria. Como lidar com as minhas limitações. Chegou uma hora em que eu estava fazendo várias coisas diferentes sem ter aprendido a fazer nada direito. Em vários momentos eu tive que inventar uma técnica, me virar.
CRONOLOGIA
Organizada por Fred Coelho
1959
Jorge Velloso Borges Leão Teixeira nasce no Rio de Janeiro e cresce na Lagoa. Seus pais tinham forte ligação com a cena teatral da cidade através do trabalho com o Teatro Tablado desde sua fundação, e Maria Clara Machado, fundadora principal do teatro, era sua madrinha. Desde criança se dedica ao desenho e demonstra interesse por artes plásticas.
1978
Frequenta os primeiros cursos de arte na recém-criada Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
1979
Foi um dos fãs que assistiram dezenas de vezes ao espetáculo Trate-me Leão, do grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone. Neste mesmo ano, serve ao Exército.
1982
Militando na intensa cena cultural que se forma no Rio de Janeiro a partir dos últimos anos da década de 1970, Barrão torna-se parte dos jovens que se integram às atividades ao redor do Circo Voador, fundado no ano anterior no Arpoador. Conhece, nessa época, o futuro parceiro e amigo Sergio Mekler. Também frequenta São Paulo ao se aproximar do grupo Manhas e Manias e da série de artistas que acompanhavam o grupo.
As primeiras experiências públicas com arte acontecem ao fazer cenários para o grupo de teatro Lua Me Dá Colo. O grupo era formando por Barrão, Ricardo Waddington e as atrizes Cris Couto e Monica Biel. Fizeram as peças infantis Coisas, adoro coisas e Um telefonema para o Japão, além de um infantojuvenil com autoria de Chacal chamado Alguns anos luz além, com estreia no Teatro Vanucci. Além de atuar, Barrão já fazia trabalhos gráficos, cenários e adereços das peças.
No verão em que o Circo Voador decola, faz uma breve exposição no próprio espaço do Arpoador. Na época, já trabalhava com objetos.
A partir de uma foto de Cafi, faz uma colagem com xerox para a contracapa do livro Tontas coisas, de Ricardo Chacal, lançado pela editora Taurus.
1983
Ainda ligado ao grupo de artistas e colaboradores que se formou ao redor do Asdrúbal Trouxe o Trombone, vai a São Paulo para a estreia do espetáculo A farra da Terra, no recém-inaugurado Teatro do SESC-Pompeia. Nesse período paulista, conhece o amigo de toda a vida Luiz Zerbini, então ator e colaborador do grupo de teatro carioca.
No mesmo período, Barrão forma com Ricardo Basbaum e Alexandre Dacosta (que já eram conhecidos como a “Dupla Especializada”) o grupo Seis Mãos, uma espécie de banda de artistas (Basbaum no violão e baixo, Dacosta na guitarra e Barrão na bateria). O grupo realiza performances musicais, pinturas coletivas ao vivo e em grandes formatos, vídeos e trabalhos ligados à cena cultural da cidade. É através dessas ações que Barrão começa a participar de shows e eventos ao lado de nomes como Chacal, Fausto Fawcett, Sandra Kogut e seu futuro parceiro Sergio Mekler.
Em novembro, participa com o grupo Seis Mãos da mostra Pintura Pintura, realizada na Fundação Casa de Rui Barbosa, com curadoria de Marcio Doctors. O grupo realiza uma grande tela ao vivo durante o vernissage do evento. Ainda com o Seis Mãos, realiza a performance Improvisação de pintura e música, na nova sede do Circo Voador, na Lapa. O evento é um dos primeiros da Galeria Aberta, nome do espaço de arte do Circo, sob a responsabilidade do fotógrafo Cafi.
Participa do evento Arte na Rua I, ocupando um outdoor nas ruas do Rio de Janeiro.
1984
Realiza sua primeira exposição individual, Televisões, na Galeria Contemporânea, Leblon, Rio de Janeiro. Sua curadora, Dora Basílio, abre o espaço depois de um longo período em Londres. Passaram por lá, além de Barrão, nomes como Márcia X. e Alex Hamburger, Ricardo Basbaum e Alexandre Dacosta.
É um dos 123 artistas que participam da famosa exposição Como Vai Você, Geração 80?, ocorrida em julho no Parque Lage do Rio de Janeiro, com curadoria de Marcus Lontra, Paulo Roberto Leal e Sandra Magger. O trabalho consistia em duas televisões ligadas em canais abertos da época, que mantinham um diálogo aleatório.
Em março, participa de uma grande coletiva de artistas, capitaneada pelo grupo Rádio-Novela. A exposição ocorre em diferentes espaços da PUC-Rio. Barrão e mais uma série de artistas pintam faixas de rua de cinco metros para serem exibidas. Depois, essas telas também foram montadas na Praça Seca, bairro do Rio de Janeiro.
Participa da segunda edição do Arte na Rua, ocupando novamente um outdoor nas ruas do Rio de Janeiro.
Com o grupo Seis Mãos, realiza as performances Passa a praça e Garçons. A primeira consiste em uma série de improvisos com pinturas e músicas, feitas ao vivo nas ruas. Já a segunda eram intervenções que os três artistas faziam em vernissages da cidade, servindo em suas bandejas objetos e provocações sobre o tema da exposição em que atuavam.
1985
Com o grupo Seis Mãos, realiza a performance-espetáculo A mulher invisível, na boate Noites Cariocas, localizada no Morro da Urca. A mostra foi organizada por Denise Porto. O grupo também participa nesse ano da exposição O Visual do Rock, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Participa, com a obra Tevefone, da coletiva Discos, Olhos e Eletrodomésticos, realizada na Galeria Contemporânea, Rio de Janeiro. A obra permitia que o público pudesse ouvir o conteúdo da televisão através de um telefone conectado ao aparelho.
Realiza com Sandra Kogut o vídeo Sete horas de sono, em que os dois são filmados enquanto dormem. Ainda com registro documental de Kogut, participa ao lado do Seis Mãos da performance Calêndula concreta ou O caso da menina loura que ficou com o braço mulato.
1986
Realiza sua segunda exposição individual na Galeria do Centro Empresarial Rio, em Botafogo, Rio de Janeiro. Um dos trabalhos apresentados foi Avião, formado por portas de geladeira chapadas na parede e dois liquidificadores como motores. Outro, Copacabana, consistia em um totem de três fogões empilhados, com uma televisão ligada em cada forno.
Participa da coletiva A Nova Dimensão do Objeto, realizada no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. A exposição conta ainda com artistas novos e veteranos, como Guto Lacaz, Abraham Palatnik, León Ferrari, Waltercio Caldas, Jac Leirner, Leonílson, entre outros. Aracy Amaral, curadora e autora do catálogo, escreve sobre o trabalho de Barrão: “Empregando eletrodomésticos como suporte, Jorge Barrão é uma revelação dos últimos anos: suporte violentado, e onde a frase-clichê ‘muda a função muda a significação plástica’ nem sempre é válida posto que, apesar de alterado o visual, o suporte é identificável. Mas o elemento ‘surpresa’, humorado, como exige o espírito da geração do autor, se revela na aproximação do ‘contemplador’, ou em sua participação quando em contato com este objeto (uma máquina de lavar, uma televisão ou uma geladeira) usualmente de diálogo tão mecânico com o espectador, que aqui é surpreendido pela ‘resposta’ desconcertante da peça.”
Barrão viaja ao México junto com a trupe de artistas montada pelo Circo Voador, com o objetivo de realizar ações culturais representando o Brasil na cidade de Guadalajara. Após uma série de contratempos e perda de patrocínio, a viagem é interrompida. Mesmo assim, ocorre na cidade a mostra El Escrete Volador, na Galeria Magrite, com trabalhos de Barrão e artistas como Luiz Zerbini, André Costa, Alexandre Dacosta, Leda Catunda, Daniel Senise, Luiz Pizarro, Sergio Romagnolo e Ricardo Basbaum.
Na volta da viagem ao México, monta ateliê na “Cidadela”, casa que abrigava a produtora de Sandra Kogut, além de amigos como Chacal e Luiz Antonio Silveira. É o período em que estreita amizade com Sergio Mekler.
Faz a capa do primeiro disco solo de Evandro Mesquita, chamado apenas Evandro. A foto com o cantor foi feita no ateliê de Barrão e exibe uma série de obras suas.
1987
Ano intenso de trabalhos e exposições. Participa das coletivas Pintura Fora do Quadro, realizada com apresentação de Marcus Lontra na Galeria Espaço Capital, Brasília (e depois na Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro); Nova Escultura, realizada na Petit Galerie, Rio de Janeiro; Trip, realizada no Subdistrito, São Paulo; e Lapada Show, realizada no Espaço Brumado, Rio de Janeiro.
Faz, em parceria com Luiz Zerbini, a capa do primeiro disco da banda Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros. O disco e a banda são importantes por reunir Barrão, Zerbini e Mekler (que tocava com Fausto) em um primeiro trabalho.
Com o grupo Seis Mãos, promove o evento Leia Lua Arte, na Galeria Sergio Milliet, da Funarte.
Em fevereiro, Barrão torna-se um dos artistas a compor o grupo A Moreninha, ao lado de Ricardo Basbaum, Alexandre Dacosta, Marcio Doctors, Angelo Venosa, Beatriz Milhazes, Cristina Canale, Daniel Senise, Hilton Berredo, Marcia Ramos, Lucia Beatriz, João Magalhães, Enéas Valle, Luiz Pizarro, entre outros. A motivação do grupo, chamado por Marcio Doctors de “um estado combativo”, foi a vinda ao Brasil para uma série de palestras e declarações públicas do então badalado crítico e curador italiano Achille Bonito Oliva. Em protesto e frontal discordância com o crítico, o grupo executou uma série de ações. Três merecem destaque. A primeira consistiu em uma viagem de barca para Paquetá, em homenagem ao centenário do romance de Joaquim Manuel de Macedo (daí o nome do grupo) e a um fictício (porém reivindicado como verdadeiro) grupo de artistas que, inspirados por uma “declaração de Manet após sua passagem pelo Rio de Janeiro”, visitavam a ilha em busca da luz da Baía de Guanabara.* A segunda ação foi uma performance que acabou em confusão na palestra de Oliva, realizada na Galeria Saramenha, em que alguns dos artistas, vestidos de garçons, distribuíam doces, enquanto outros na plateia colocaram orelhas de burro, Enéas Valle assistia à fala de costas e com um retrovisor, Ricardo Basbaum tocava em gravadores fitas cassetes de duplas sertanejas e Barrão distribuía santinhos de Cosme e Damião, entre outras coisas. E a terceira ação foi a publicação do livro Orelha (nome que rebatizou o grupo em um segundo momento), com textos e trabalhos dos artistas envolvidos com o grupo. Ainda dentro dos muitos desdobramentos da polêmica, Barrão participa de um debate sobre as artes brasileiras, no Caderno B do Jornal do Brasil, ao lado de Basbaum, Milton Machado, Luciano Figueiredo, Paulo Roberto Leal, Reynaldo Roels Jr., Antonio Manuel, Marcio Doctors, Marcus Lontra e Valério Rodrigues.
Realiza com Sandra Kogut o vídeo A G... profunda, a partir de imagens de um de seus trabalhos da época – uma geladeira com olho mágico em cada um dos lados e rodinhas, em que as pessoas podiam entrar, observar o exterior e mover o objeto. Ele funcionava como um posto de observação móvel inusitado. O vídeo, apresentado pelo humorista Bussunda, foi gravado nas ruas de Ipanema.
1988
Participa das exposições coletivas Subindo a Serra, realizada no Palácio das Artes, Belo Horizonte; Panorama da Arte Atual Brasileira 88, importante balanço do período, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo; e Dimensão Planar, realizada na Galeria Rodrigo Melo Franco, Funarte, Rio de Janeiro.
Com o grupo Seis Mãos, realiza o evento Gincana, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Em agosto, o grupo também participa da exposição 88x68 – No Balanço dos Anos, realizada simultaneamente na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (núcleo histórico com obras de 1968) e no Espaço Cultural Sérgio Porto (espaço da releitura contemporânea das obras históricas).
Cada vez mais envolvido com a cena performática carioca, é um dos que atuam na época no célebre espaço Barão com Joana, mistura de boate e casa de shows, cujo diretor artístico era o poeta Chacal. Com uma pintura pública, Barrão faz a fachada do estabelecimento.
Faz com Luiz Zerbini a capa do disco Ideologia, de Cazuza. A capa, com uma série de símbolos sobrepostos, causa polêmica na época.
1989
Realiza duas exposições individuais: uma no Subdistrito, em São Paulo (sua primeira exposição na cidade), e outra na Pequena Galeria, espaço do Centro Cultural Candido Mendes, no centro do Rio de Janeiro.
Participa do concurso Nova Escultura para a Praça Mauá, realizado na Galeria Centro Empresarial Rio, Rio de Janeiro. O vencedor foi o escultor Angelo Venosa. Participa também das exposições coletivas Olhar para o Futuro, realizada na loja de joias H. Stern, Rio de Janeiro; e Rio Hoje, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
1990
Participa das exposições coletivas 4 x 44, realizada no Atelier Livre de Petrópolis, Rio de Janeiro; e Projeto Arqueus, realizada na Fundição Progresso, Rio de Janeiro. Esta última exposição é importante por ser a primeira a ocupar o setor de Artes Plásticas do espaço inaugurado no bairro da Lapa e cuja origem foi o grupo criador do Circo Voador – com quem Barrão tinha ligações desde sua juventude. Sua obra se chamava Duelo dos deuses, e consistia em uma pesada estrutura em forma de grid, montada com placas, grades, latas e uma série de objetos encontrados na obra de reforma da própria Fundição.
Com o trabalho O cachorro é o melhor amigo do homem, recebe o Prêmio Brasília de Artes Plásticas, realizado no Museu de Artes de Brasília, Brasília, DF.
1991
Já conhecido por suas esculturas com objetos e eletrodomésticos, participa ao lado de João Modé, Ricardo Basbaum e Luiz Ernesto da exposição coletiva Consumir o Consumo, na galeria de arte da UFF, em Niterói. Participa também de duas coletivas internacionais: Viva Brasil Viva, na Kulturhuset, Estocolmo, Suécia; e Brasil: La Nova Generacion, na Fundación Museo de Bellas Artes, Caracas, Venezuela. Participa ainda da Coleção Centro Cultural Cândido Mendes, exibida no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Na viagem feita para a Suécia, em função da exposição na Kulturhuset, divide apartamento com o escultor Tunga, de quem se torna amigo e interlocutor constante.
Já com experiência em trabalhos com videografismo e vinhetas, é convidado por Regina Casé para participar do Programa Legal, da Rede Globo. Concebido por Regina e Hermano Vianna, o programa contava com direção de Guel Arraes e Belisário França, edição de Sergio Mekler, além de redatores como Pedro Cardoso, Hubert, Marcelo Tas e Jorge Furtado, entre outros.
Participa do filme Parabolic people, de Sandra Kogut, fazendo uma série de videografismos.
Último ano de atividades do grupo Seis Mãos.
1993
Realiza exposições individuais na Galeria Camargo Vilaça, em São Paulo, e na Galeria Ibeu, Rio de Janeiro. Sobre o trabalho do artista, escreve Marcio Doctors: “Barrão é o mais lúdico de nossos artistas plásticos. O impulso de sua obra nasce dessa vontade perversa da infância de desmontar brinquedos para descobrir sua estrutura interna. É uma forma de deslocamento que não se contenta com a aparência das coisas e quer cirurgicamente penetrá–las. Barrão leva essa experiência às últimas consequências e dela extrai arte: o maior de todos os deslocamentos. Por isso que seus trabalhos possuem comunicação imediata inigualável. Ancorados nessa reminiscência da infância e nessa pulsão inventora da arte, despertam no público curiosidade. Não resistimos em fazer nossa sua visão de que os aparelhos domésticos (que povoam nosso cotidiano) fazem de nossas casas verdadeiros parques de diversão. Barrão indica com lucidez que o mundo da ciência aplicada é muito mais fantasioso do que imaginamos. Sua atitude recupera uma leveza, que a sisudez do pensamento da prática impingiu às máquinas ‘enlouquecidas’ que nos cercam. Evidencia na ciência o dado fundante do imaginário – próprio da arte – e recupera para a arte o pensamento da técnica – apropriado pela ciência.”
Participa das exposições coletivas Consumir o Consumo, realizada no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo; Eco Sensorial, realizada na Escola de Artes Visuais, Rio de Janeiro; Coca Cola – 50 Anos com Arte, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; As Artes do Poder, realizada no Paço Imperial, Rio de Janeiro; A Sedução dos Volumes, realizada no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo; e Coleção João Sattamini, realizada no Paço Imperial, Rio de Janeiro.
Em parceria com Luiz Zerbini, realiza cenário e projeções no espetáculo Santa Clara Poltergeist, de Fausto Fawcett, apresentado no Magnetoscópio, Rio de Janeiro.
Ainda com Zerbini, realiza mais duas atividades: a participação na coletiva As Artes no Poder, no Paço Imperial, e a instalação Acelera Deus, feita no Museu da República a convite de Marcelo Dantas. O trabalho é o primeiro que reúne Barrão, Zerbini e Sergio Mekler, com a gravação feita no estúdio de Chico Neves. Alguns anos depois, os quatro estariam no Chelpa Ferro.
1993
Já familiarizado com a arte gráfica e o design, Barrão faz uma série de trabalhos nessa área. Em janeiro, participa da mostra I Riográfico, realizada no Centro Cultural do Banco do Brasil.
Em março, participa da inauguração da Galeria Primeiro Piso, novo espaço expositivo da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, com a exposição Barrão, Basbaum, Canale e Dacosta. A coletiva, como o título confirma, conta, além de Barrão, com seus antigos parceiros Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum, e com Cristina Canale.
Em setembro, participa da exposição coletiva O Papel do Rio, realizada no Paço Imperial e com curadoria de Luiz Aquila.
Além dessa exposição, participa das coletivas A Presença do Ready Made, 80 Anos, realizada no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo; e Café Eletrônico, com curadoria de Marcelo Dantas, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro.
Faz, junto com Luiz Zerbini, a capa do disco O sorriso do gato de Alice, de Gal Costa (a foto da capa com o sorriso da cantora foi feita pelo fotógrafo Wilton Montenegro).
1994
Participa da V Bienal de Havana, realizada no Centro Cultural Wifredo Lam, em Havana, Cuba.
Em maio, participa da mostra Brasil/Imagens dos Anos 80 e 90, coletiva com trabalhos de artistas presentes na coleção de Gilberto Chateaubriand. A mesma exposição também foi montada no Museu de Arte das Américas, da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.
Em junho, participa da mostra Imagens Indomáveis/100% Contemporâneas, organizada pelos próprios artistas, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Em outubro, participa da coletiva Escultura Carioca, no Paço Imperial, com curadoria de Fernando Cocchiarale e Ligia Canongia.
Faz a capa do livro Letra elétrika, do poeta Chacal, lançado pela editora carioca Diadorim.
1995
Participa da exposição coletiva Dezoito, realizada na Pequena Galeria, Rio de Janeiro.
A partir de um convite do poeta e agitador cultural Chacal, Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler criam um show-performance e batizam o grupo de Chelpa Ferro. Na primeira formação, contavam ainda com a participação de André Costa. Posteriormente, o produtor Chico Neves substitui André.
Faz a direção de arte de Lá e cá, filme de Sandra Kogut, com Regina Casé como protagonista.
Passa a atuar como videografista no programa Brasil Legal, de Regina Casé e Hermano Vianna.
1996
Passa a trabalhar com Fernanda Villa Lobos na produção de uma série de capas de discos para artistas como Os Paralamas do Sucesso, Lenine, Gal Costa, Caetano Veloso, Legião Urbana, Arnaldo Antunes, entre outros.
Participa da exposição Esculturas Plurais, com curadoria de Ligia Canongia, realizada no MAM da Bahia. Seu trabalho, intitulado A volta do mar, consistia em um engenhoso mecanismo que recolhia e devolvia a agua do mar após o líquido dar uma volta na sala principal do evento.
1997
Ano em que o Chelpa Ferro se torna um grupo de artistas visuais, ao promover sua primeira exposição no Paço Imperial, e um grupo de músicos, ao lançar seu primeiro CD. Essa dupla identidade entre as artes visuais e a música será a marca permanente do grupo.
Barrão participa da exposição coletiva Apropriações, na Joel Edelstein Arte Contemporânea, Rio de Janeiro.
1998
Realiza, com o Chelpa Ferro, a performance O gabinete de Chico, no XII Festival Videobrasil Internacional de Arte Eletrônica, SESC Vila Mariana, São Paulo. Nesta apresentação, o Chelpa é acompanhado dos músicos Carlos Laufer, Dado Villa-Lobos, Kassin e do artista plástico Joshua Callaghan. O Chelpa apresenta-se ainda na festa Quinta dos Infernos, organizada por Carlos Laufer, Chacal, a DJ Gabriela Varanda, Fausto Fawcett, o guitarrista Mimi Lessa e o designer e ilustrador Marcus Wagner, na Galeria Alaska, Rio de Janeiro. O grupo também cria a trilha sonora do vídeo Carlos Nader, que tem direção e fotografia do próprio Carlos Nader, e recebe prêmio no 4º MTV Video Music Brasil pelo uso de linguagem inovadora com o clip Rabo rato dirigido por Carlos Nader e Fábio Soares, em parceria com o Chelpa.
Faz uma participação como ator no filme Como ser solteiro no Rio de Janeiro, comédia de Rosane Svartman.
1999
Participa da coletiva Cotidiano/Arte: O Objeto – Anos 60/90, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
A partir da canção “Maninha”, apresenta pela primeira vez uma escultura feita com peças de louça para a exposição A Imagem do Som de Chico Buarque, com curadoria de Felipe Taborda, realizada no Paço Imperial do Rio de Janeiro.
2000
É tema de uma série de telas de seu amigo e parceiro Luiz Zerbini.
Realiza, com o Chelpa Ferro, o show A Garagem do Gabinete de Chico, na inauguração do Espaço AGORA/CAPACETE, criado pelos artistas plásticos Eduardo Coimbra, Helmut Batista, Raul Mourão e Ricardo Basbaum, na Lapa, Rio de Janeiro.
2001
Participa da exposição coletiva Espelho Cego – Seleções de uma Coleção Contemporânea, seleção de obras da Coleção Marco Antonio Villaça, realizada no Paço Imperial, Rio de Janeiro.
Com o Chelpa, realiza os shows de abertura do evento multimídia Free Zone, que tem curadoria de Chacal e de Raul Mourão, nas cidades do Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo. Também fazem o show de inauguração da mostra Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), e o show Adoração do Bezerro, realizado no evento Miscelânea, capitaneado por Chacal no Cine Odeon, Rio de Janeiro.
2002
Participa das exposições coletivas Caminhos do Contemporâneo, realizada no Paço Imperial, Rio de Janeiro; Ares e Pensares – Mostra SESC de Artes, São Paulo; Arte em Jogo, realizada na Galeria Arte 21, Brasília; e Ibeu – Uma Década de Arte Contemporânea, realizada na Galeria do Ibeu, Rio de Janeiro.
O Chelpa Ferro participa da 25ª Bienal de São Paulo, na qual realiza a performance Autobang durante a inauguração da mostra. O grupo também participa da exposição Love’s House, no hotel de mesmo nome, no Rio de Janeiro.
2003
Com o Chelpa Ferro, inaugura a exposição HUM, no MAM-RJ, além de expor na VIII Bienal de Havana, Cuba. Também realiza o show Som, na Fundição Progresso, Rio de Janeiro, e a trilha sonora do documentário És tu, Brasil, dirigido por Murilo Salles. Ainda com o grupo, participa do show-palestra Hamlet Contemporâneo, Crônica de um Mundo aos Pedaços, de Fausto Fawcett, na Dantes Livraria, Rio de Janeiro. Junto com Fausto e Laufer (que participava da intervenção), batizaram o grupo de Barfauschimeklauzer.
2004
Participa das exposições coletivas Onde Está Você, Geração 80?, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro; e Encontros com o Modernismo, realizada na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
O Chelpa Ferro lança seu segundo disco, produzido por Berna Ceppas. O grupo também participa da 26ª Bienal de São Paulo, apresentando a instalação Nadabrahma.
2005
Participa das exposições coletivas Educação, Olha, realizada na Galeria Gentil Carioca, Rio de Janeiro; Arquivo Geral, realizada no Centro de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro; Encontros com o Modernismo, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; e É Hoje na Arte Brasileira Contemporânea – Coleção Gilberto Chateaubriand, realizada no Centro Cultural Santander, Porto Alegre.
Apresenta-se com o Chelpa Ferro no The Maerz Musik Festival 2005, no Haus der Berliner Festspiele, Berlim, Alemanha. No mês seguinte, o Chelpa Ferro realiza a exposição Estabilidade Provisória, que integra o Projeto Respiração, com curadoria de Marcio Doctors, na Fundação Eva Klabin, Rio de Janeiro.
No mês de junho, é inaugurada a 51ª Bienal de Veneza, Itália, da qual o Chelpa Ferro e o artista Caio Reisewitz participam como representantes do Brasil. O grupo ainda inaugura exposição individual, no mesmo mês, na Galeria Vermelho, em São Paulo.
2006
Depois de um intervalo de catorze anos, volta a fazer uma exposição individual na Galeria Laura Marsiaj, Rio de Janeiro. A exposição apresenta os novos trabalhos construídos com peças de louças.
Na coletiva Pylar, evento e exposição realizados no Casarão, em Santa Teresa, Rio de Janeiro, apresenta o trabalho Comandos em Ação. A obra consiste em duas tartarugas com uma câmera de vídeo e um rádio transmissor acoplados aos cascos. Conforme elas circulavam pelos jardins do espaço, as imagens captadas eram transmitidas para uma central de monitores no interior da casa.
Participa, com o Chelpa Ferro, das mostras Geração da Virada, 10+1: Os Anos Recentes da Arte Brasileira, com curadoria de Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo; e do CEP 20.000, no Rio de Janeiro. O Chelpa apresenta ainda a mostra Jungle Jam, na FACT (Foundation for Art and Creative Technology), Liverpool, Inglaterra.
2007
Participa da exposição coletiva Contraditório, parte do Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. A curadoria é de Moacir dos Anjos. A mesma exposição foi montada no Alcalá, em Madri, Espanha.
Ao lado de outros artistas como Marta Jourdan, Luiz Zerbini, Berna Ceppas, Belisário França, Raul Mourão, Sergio Mekler, Alvaro Barata e Marcus Wagner, participa do show Favelost, apresentação de Fausto Fawcett no evento Multiplicidades, realizado no Oi Futuro do Flamengo, Rio de Janeiro.
2008
Participa da exposição coletiva Travessias Cariocas, realizada no Centro Cultural Caixa Econômica Federal, Rio de Janeiro. Faz um curso de circuit bending com Cristiano Rosa/Pan&Tone, no Plano B Lapa, Rio de Janeiro.
O Chelpa Ferro participa do Netmage 08, International Live-Media Festival, Bolonha, Itália, e inaugura a exposição Jungle Jam na Caixa Cultural, Rio de Janeiro. Em julho, a mostra é inaugurada no MAM da Bahia, onde começa a ser gravado o documentário sobre o grupo, dirigido por Carlos Nader, e que fará parte do Videobrasil Coleção de Autores. O grupo também inaugura as mostras Jardim Elétrico, na Galeria Vermelho, São Paulo; e Acusma, no Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
2009
Realiza uma exposição individual na Galeria Fortes Vilaça, em São Paulo.
Participa das exposições coletivas Alcova, realizada na Galeria Laura Marsiaj, Rio de Janeiro; e 2 em 1, com curadoria de Felipe Scovino e Daniela Labra, e realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro. A instalação Vento foi realizada em parceria com Marta Jourdan.
O Chelpa Ferro apresenta, a convite de Ivo Mesquita, a instalação Totoro, no Octógono da Pinacoteca do Estado de São Paulo, e inaugura exposição individual na Galeria Progetti, Rio de Janeiro.
Frequentador assíduo do espaço Plano B, dirigido por Fernando Torres na Lapa, Rio de Janeiro, Barrão continua a estudar o circuit band, técnica de produção sonora a partir de circuitos eletrônicos. Também participa da apresentação do músico japonês Damo Suzuki, no Teatro Ipanema. Além dele, a banda era composta por Leo Monteiro, Luiz Zerbini, Flávio Abbes, Claudio Monjope e Clayton Fabio.
2010
Realiza duas exposições individuais: uma na Galeria Laura Marsiaj, Rio de Janeiro, e a outra, intitulada Natureza Morta, na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal. Esse trabalho é fruto do projeto Próximo Futuro, promovido pela fundação portuguesa com curadoria de Antonio Pinto Ribeiro.
Participa da exposição coletiva Arte Pará, realizada na Fundação Romulo Maiorana, Belém.
É lançado o terceiro disco do Chelpa Ferro, novamente com produção de Berna Ceppas.
2011
Participa das exposições coletivas Vestígios de Brasilidade, realizada no Centro Cultura Santander, Recife; e Gigante por la Propia Naturaleza, no IVAM (Institut Valencià d'Art Modern), em Valência, Espanha, com curadoria de Rafael Gil Salinas e Wilson Lazar.
2012
Realiza duas exposições individuais: Mashups, com curadoria de Monica Ramirez-Montagut, na The Aldrich Contemporary Art Museum, Ridgefield, EUA; e outra na Galeria Fortes Vilaça, São Paulo.
Participa da exposição coletiva Espelho Refletido, realizada no Centro de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro.
2013
Realiza a exposição individual Arrumação, na Galeria Laura Marsiaj, Rio de Janeiro.
Participa da exposição coletiva Universo Bordallo Pinheiro – 20 Bordallianos Brasileiros, realizada no Espaço Oi Futuro, Rio de Janeiro. A exposição é fruto de um projeto que levou artistas brasileiros para trabalhar na tradicional fábrica portuguesa de cerâmicas.
Faz a capa da reedição do livro De segunda a um ano, de John Cage (Editora Cobogó).
2014
Realiza a exposição individual Lugar Nenhum, na Galeria Fortes Vilaça, São Paulo.
Participa das exposições coletivas Travessias 3, com curadoria de Daniel Senise, realizada no Galpão Bela Maré, Rio de Janeiro; e Duplo Olhar, realizada no Paço das Artes, São Paulo.
BIBLIOGRAFIA
LIVROS E CATÁLOGOS
80, 90: Modernos, Pós Modernos etc. [Catálogo]. São Paulo: Instituto Tomie Otake, 2009. Coleção meio século de arte brasileira. Curadoria de Agnaldo Farias
AMIRSADEGHI, Hossein (Org.). Contemporary Art Brazil. Londres: Thames & Hudson, 2012.
ARTE, Sociedade, Reflexion – Quinta Bienal de La Habana. [Catálogo]. Havana, 1994.
BARRÃO: Mashups. [Catálogo]. Riedgefield: The Aldrich Contemporary Art Museum, 2012.
CONTRADITÓRIO, Panorama da Arte Brasileira. [Catálogo]. São Paulo: MAM São Paulo, 2007. Curadoria de Moacir dos Anjos.
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TEXTOS
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OSORIO, Luiz Camillo. Barrão. Impresso da exposição na Galeria Laura Marsiaj, 2006.
CRÉDITOS
TÍTULO DO PROJETO
ARTE BRA Barrão
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Luiza Mello
Marisa S. Mello
DESIGN
Dínamo | Alexsandro Souza
ASSISTENTE EDITORIAL
Julia Pombo | Automatica
PROJETO E PRODUÇÃO
Automatica Edições
TRATAMENTO DE IMAGEM
Ipsis
REVISÃO
Duda Costa
VERSÃO INGLÊS
Rebecca Atkinson
Marise Chinetti de Barros
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA
Julia Pombo
GESTÃO
Marisa S. Mello
Arlindo Hartz